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Lendas e Narrativas (Tomo II) By: Alexandre Herculano (1810-1877) |
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A DAMA PÉ DE CABRA RIMANCE DE UM JOGRAL
SECULO XI TROVA PRIMEIRA.
1 Vós os que não crêdes em bruxas, nem em almas penadas, nem nas
tropelias de Satanás, assentae vos aqui ao lar, bem junctos ao
pé de mim, e contar vos hei a historia de D. Diogo Lopes, senhor
de Biscaia. E não me digam no fim: "não póde ser." Pois eu sei cá inventar
cousas destas? Se a conto é porque a li n'um livro muito velho,
quasi tão velho como o nosso Portugal. E o auctor do livro velho
leu a algures, ou ouviu a contar, que é o mesmo, a algum jogral
em seus cantares. É uma tradição veneranda; e quem descrê das tradições lá irá para
onde o pague. Juro vos que se me negaes esta certissima historia sois dez vezes
mais descridos do que S. Thomé antes de ser grande sancto. E
não sei se eu estarei de animo de perdoar vos, como Cbristo lhe
perdoou. Silencio profundissimo; porque vou principiar.
2 D. Diogo Lopes era um infatigavel monteiro: neves da serra no
inverno, soes dos estevaes no verão, noites e madrugadas, d'isso
se ria elle. Pela manhan cedo de um dia sereno estava D. Diogo em sua armada,
em monte selvoso e agreste, esperando um porco montez, que, batido
pelos caçadores, devia saír naquella assomada. Eis senão quando começa a ouvir cantar ao longe: era um lindo,
lindo cantar. Alevantou os olhos para uma penha que lhe ficava fronteira: sobre
ella estava assentada uma formosa dama; era a dama quem cantava. O porco fica desta vez livre e quite; porque D. Diogo Lopes não
corre, voa para o penhasco. "Quem sois vós, senhora tão gentil; quem sois, que logo me
captivastes?" "Sou de tão alta linhagem como tu; porque venho do semel de reis,
como tu, senhor de Biscaia." "Se já sabeis quem eu seja, offereço vos a minha mão, e com ella
as minhas terras e vassallos." "Guarda as tuas terras, D. Diogo Lopes, que poucas são para seguires
tuas montarias; para o desporto e folgança de bom cavalleiro que
és. Guarda os teus vassallos, senhor de Biscaia, que poucos são
elles para te baterem a caça." "Que dote, pois, gentil dama, vos posso eu offerecer digno de
vós e de mim; que se a vossa belleza é divina, eu sou em toda
a Hespanha o rico homem mais abastado?" "Rico homem, rico homem, o que eu te acceitára em arrhas cousa
é de pouca valia; mas apesar d'isso não creio que m'o concedas;
porque é um legado de tua mãe, a rica dona de Biscaia." "E se eu te amasse mais que a minha mãe, porque não te cederia
qualquer dos seus muitos legados?" "Então se queres ver me sempre ao pé de ti não jures que farás
o que dizes, mas dá me d'isso a tua palavra." "A la fé de cavalleiro, não darei uma, darei milhentas palavras." "Pois sabe que para eu ser tua é preciso esqueceres te de uma
cousa que a boa rica dona te ensinava em pequenino, e que estando
para morrer ainda te recordava." "De quê, de quê, donzella?" acudiu o cavalleiro com os olhos
faiscantes. "De nunca dar treguas á mourisma, nem perdoar aos
cães de Mafamede? Sou bom christão. Guai de ti e de mim se és
dessa raça damnada!" "Não é isso, dom cavalleiro," interrompeu a donzella a rir. "O
de que eu quero que te esqueças é do signal da cruz: o que eu
quero que me promettas é que nunca mais has de persignar te." "Isso é outra cousa:" replicou D. Diogo, que nos folgares e
devassidões perdêra o caminho do céu. E poz se um pouco a scismar. E scismando dizia comsigo: "De que servem benzeduras? Matarei
mais duzentos mouros e darei uma herdade a Sanctiago. Ella por
ella. Um presente ao apostolo e duzentas cabeças de agarenos
valem bem um grosso peccado." E erguendo os olhos para a dama, que sorria com ternura,
exclamou: "Seja assim: está dicto. Vá, com seiscentos diabos." E levando a bella dama nos braços, cavalgou na mula em que viera
montado. Só quando á noite no seu castello pôde considerar miudamente
as fórmas nuas da airosa dama, notou que tinha os pés forcados
como os de cabra.
3 Dirá agora alguem: "Era por certo o demonio que entrou em casa
de D... Continue reading book >>
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