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O Livro de Cesario Verde By: José Joaquim Cesário Verde (1855-1886) |
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O LIVRO DE CESARIO VERDE
Prefácio
A JORGE VERDE Aqui deponho em suas mãos e debaixo dos seus lábios o livro do seu
irmão. A minha «obra» terminou no dia em que elle saiu da nossa
doce amizade para a nossa terrível amargura: morri, meu querido
Jorge deixe me chamar assim ao irmão do meu querido Cesario; morri
para as alegrias do trabalho, para as esperanças dos enganos doces!
O desmoronamento fez se, a um tempo, no espírito e no coração! Dos
restos do passado deixe me offerecer lhe a dedicação extremada:
peça me o sacrifício; e, quando no decorrer da vida, se lembrar de
nós, tenha este pensamento consolador: A grande alma de meu irmão
soube impôr se a um coração endurecido; e tenha este outro pensamento:
Mas não estava de todo endurecido o coração que soube amal a. Adeus, meu querido Jorge! S.P. 20 de julho de 1886. Encontrámo nos pela primeira vez no Curso Superior de Lettras. Foi
em 1873. Cesario Verde marticulara se no Curso em homenagem ás
Lettras, como se as Lettras lá estivessem no Curso. Eu matriculara me,
com a esperança de habilitar me um dia á conquista de uma cadeira
disponivel. Encontrámo nos e ficámos amigos para a vida e para a
morte. Para a vida e para a morte. Tenho de fallar de mim, se eu pretendo fallar de Cesario Verde. Elle
não teve, desde aquelle dia ha treze annos maior amigo do que eu
fui; e sobre esta mesa onde eu estou escrevendo, ás 10 horas da
noite d'este formidavel dia glacial 20 de Julho de 1886, dia do
seu enterro, sobre esta mesa onde eu estou escrevendo tenho estas
palavras suas de ha poucos dias: «E como se dê o caso de tu seres
o mais dedicado dos meus amigos...» Tenho aqui essas palavras:
ellas constituem a justificação dos meus soluços de ha poucas horas,
alli, no cemiterio visinho onde elle dorme o Cesario! a sua
primeira noite redimida... Eu fui, pois, a luctar nas grandes batalhas da Desgraça, n'aquelle
anno para mim terrivel de 1874. Fui me, a dezenas de leguas de
Lisboa. Elle ficou. E no dia em que eu medi forças com as avançadas
do meu destino, a inquietação invadiu o espirito e o coração de
Cesario Verde, por modo que já eu assoberbara com o meu desprezo
a desventura pertinaz e ainda elle não vingára libertar se do peso
de seus cuidados e afflições. Durante annos escreveu me centenares
de paginas commentarios sobre os meus infortunios, conselhos do
seu espirito lucidissimo, sobresaltos do seu coração fraternal. Um
dia, trocámos estas palavras: «Como tu tens tempo, meu amigo, para
soffrer tanto!» «Como tu tens tempo, meu amigo, para me acompanhar
no soffrimento!». É indispensavel ter conhecido intimamente Cesario Verde para
conhecel o um pouco. Os que apenas lhe ouviram a phrase rapida,
imperiosa, dogmatica, mal podem imaginar o fundo de tolerancia
espectante d'aquelle bello e poderoso espirito. Elle tinha o furor
da discussão a toda a hora. Eu careço de preparar me durante horas
para a simples comprehensão. As exigencias do meu caro polemista
irritavam me. Eu respondia ao acaso; mas acontecia por vezes que o
sorriso ligeiramente ironico do perseguidor expandia se n'um bom e
largo sorriso de convencido; e então meu querido amigo! meu santo
poeta! elle saudava com um enthusiasmo de creança amoravel o que
elle chamava o meu triumpho! Não hesitava em confessar se vencido;
e congratulava se commigo porque eu o vencera inconscientemente.
A generosa alma chamava áquillo a minha superioridade! Os campos, a verdura dos prados e dos montes; a liberdade do homem
em meio da natureza livre: os seus sonhos amados; as suas realidades
amadas! Quando aquelle artista delicado, quando aquelle poeta de
primeira grandeza julgava em raros momentos sacrificar a Arte aos
seus gostos de lavrador e de homem pratico, succedia que as cousas
do campo, da vida pratica assimilavam a fecundante seiva artistica
do poeta: e então dos fructos alevantavam se aromas que disputavam
fóros de poesia aos aromas das flôres... Continue reading book >>
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