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O Mandarim   By: (1845-1900)

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EÇA DE QUEIROZ

O MANDARIM

LIVRARIA INTERNACIONAL

DE

ERNESTO CHARDRON, EDITOR.

Porto e Braga

1880

O MANDARIM

PROLOGO

1.^o AMIGO ( bebendo Cognac e soda, debaixo d'arvores, n'um terraço, á beira d'agua )

Camarada, por estes calores do estio que embotam a ponta da sagacidade, repousemos do aspero estudo da Realidade humana... Partamos para os campos do Sonho, vaguear por essas azuladas collinas romanticas onde se ergue a torre abandonada do Sobrenatural, e musgos frescos recobrem as ruinas do Idealismo... Façamos phantasia!...

2.^o AMIGO

Mas sobriamente, camarada, parcamente!... E como nas sabias e amaveis Allegorias da Renascença, misturando lhe sempre uma Moralidade discreta...

(COMEDIA INEDITA).

I

Eu chamo me Theodoro e fui amanuense do Ministerio do Reino.

N'esse tempo vivia eu á travessa da Conceição n.^o 106, na casa d'hospedes da D. Augusta, a esplendida D. Augusta, viuva do major Marques. Tinha dois companheiros: o Cabrita, empregado na Administração do bairro central, esguio e amarello como uma tocha d'enterro; e o possante, o exuberante tenente Couceiro, grande tocador de viola franceza.

A minha existencia era bem equilibrada e suave. Toda a semana, de mangas de lustrina á carteira da minha repartição, ia lançando, n'uma formosa letra cursiva, sobre o papel Tojal do Estado, estas phrases faceis: « Ill.^{mo} e Exc.^{mo} Snr. Tenho a honra de communicar a V. Exc.^a... Tenho a honra de passar ás mãos de V. Exc.^a, Ill.^{mo} e Exc.^{mo} Snr... »

Aos domingos repousava: installava me então no canapé da sala de jantar, de cachimbo nos dentes, e admirava a D. Augusta, que, em dias de missa, costumava limpar com clara d'ovo a caspa do tenente Couceiro. Esta hora, sobretudo no verão, era deliciosa: pelas janellas meio cerradas penetrava o bafo da soalheira, algum repique distante dos sinos da Conceição Nova, e o arrulhar das rolas na varanda; a monotona susurração das moscas balançava se sobre a velha cambraia, antigo véo nupcial da Madame Marques, que cobria agora no aparador os pratos de cerejas bicaes; pouco a pouco o tenente, envolvido n'um lençol como um idolo no seu manto, ia adormecendo, sob a fricção molle das carinhosas mãos da D. Augusta; e ella, arrebitando o dedo minimo branquinho e papudo, sulcava lhe as rêpas lustrosas com o pentesinho dos bichos... Eu então, enternecido, dizia á deleitosa senhora:

Ai D. Augusta, que anjo que é!

Ella ria; chamava me enguiço ! Eu sorria, sem me escandalisar. Enguiço era com effeito o nome que me davam na casa por eu ser magro, entrar sempre as portas com o pé direito, tremer de ratos, ter á cabeceira da cama uma lithographia de Nossa Senhora das Dôres que pertencera á mamã, e corcovar. Infelizmente corcóvo do muito que verguei o espinhaço, na Universidade, recuando como uma pêga assustada diante dos senhores Lentes; na repartição, dobrando a fronte ao pó perante os meus Directores Geraes. Esta attitude de resto convém ao bacharel; ella mantem a disciplina n'um Estado bem organisado; e a mim garantia me a tranquillidade dos domingos, o uso d'alguma roupa branca, e vinte mil reis mensaes.

Não posso negar, porém, que n'esse tempo eu era ambicioso como o reconheciam sagazmente a Madame Marques e o lepido Couceiro. Não que me revolvesse o peito o appetite heroico de dirigir, do alto d'um throno, vastos rebanhos humanos; não que a minha louca alma jámais aspirasse a rodar pela Baixa em trem da Companhia, seguida d'um correio choitando; mas pungia me o desejo de poder jantar no Hotel Central com Champagne, apertar a mão mimosa de viscondessas, e, pelo menos duas vezes por semana, adormecer, n'um extasi mudo, sobre o seio fresco de Venus. Oh! moços que vos dirigieis vivamente a S. Carlos, atabafados em paletots caros onde alvejava a gravata de soirée ! Oh! tipoias, apinhadas de andaluzas, batendo galhardamente para os touros quantas vezes me fizestes suspirar! Porque a certeza de que os meus vinte mil reis por mez e o meu geito encolhido de enguiço me excluiam para sempre d'essas alegrias sociaes vinha me então ferir o peito como uma frecha que se crava n'um tronco, e fica muito tempo vibrando!

Ainda assim, eu não me considerava sombriamente um «pária»... Continue reading book >>




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