Augusto Gil Luar de Janeiro [Figura: Olhos Olhae a Direito] Luar de Janeiro AUGUSTO GIL *Luar de Janeiro* LISBOA 1909 Edição da empreza d'A Lanterna--Escriptorios, rua das Gaveas, 45, 2.^o Typ. do Commercio, rua da Oliveira, ao Carmo, 10, Lisboa Áquelles que virem, neste volume de liricas, uma reviravolta effectuada sobre a génese d'_O Canto da Cigarra_ objectarei, com antecipada promessa de facil prova, que os dois livros teem uma tão intima ligação como a existente entre os pontos extremos da curva d'amplitude dum pêndulo. Aos que me censurem pela circumstancia de não ter logrado, na minha subalterna categoria de poeta menor, firmar-me numa posição d'equilibrio estavel, pergunto, em tom humilde, quem é que neste confuso seculo de latente misticismo humanitario, de demolidora negação e d'anciedade conjunctamente afflictiva e sceptica, terá a coragem de dizer que o encontrou--já não quero como artista, porque a esse as influencias ambientes lhe communicam entre-cruzadas e descoordenadas vibrações--mas na propria e mais serena esphera do pensamento. Se algum de vós me retorquir com o _eureka_ do antigo geometra, ou é um sectario, ou um caturra,--ou um simples. Sabio, como o de Syracusa, é que não é... Adeante. Novembro de (1)909. O auctor De la musique encore et toujours * * * * * Que ton vers soit la bonne aventure Éparse au vent crispé du matin Qui va fleurant la menthe et le thym, _Et tout le reste est litterature_. Verlaine Et c'est pourquoi ce livre-ci (qu'il était peut-être bon d'écrire) nous savons, toi et moi, a quels mysterieux balbutiements le réduirait le tête-à-tête--et tout ce que je n'ai pas dit, qu'il ne fallait pas dire. Et tu sais combien de pages menteuses devront, pour des motifs de faiblesse personnelle ou de nécessité invencible, accompagner la bonne page, celle que ce livre encore annonce et ordone--_tu sais, tu comprends et tu pardonnes_... Charles Morice. _A Coelho de Carvalho_ _Tout court_, porque não ha adjectivos que não empallideçam ante a claridade dos seus talentos. Luar de janeiro, Fria claridade Á luz delle foi talvez Que primeiro A bocca dum português Disse a palavra saudade... Luar de platina, Luar que allumia Mas que não aquece, Photographia D'alegre menina Que ha muitos annos já... envelhecesse. Luar de janeiro, O gelo tornado Luminosidade... Rosa sem cheiro, Amor passado De que ficasse apenas a amizade... Luar das nevadas, Algido e lindo, Janellas fechadas, Fechadas as portas E elle fulgindo, Limpido e lindo, Como boquinhas de creanças mortas, Na morte geladas --E ainda sorrindo... Luar de janeiro, Luzente candeia De quem não tem nada, --Nem o calor dum brazeiro, Nem pão duro para a ceia, Nem uma pobre morada... Luar dos poetas e dos miseraveis, Como se um laço estreito nos unisse, São similhaveis O nosso mau destino e o que tens... De nós, da nossa dôr, a turba--ri-se --E a ti, sagrado ladram-te os cães! [Figura: A linda imagem pertence ao arruinado Mosteiro do Calvario, d'Evora, e constitue a unica mas encantadora manifestação d'arte desse pobrissimo convento. Foi doado ás monjas que o occupavam, por D. Izabel Juliana de Souza Coutinho, forçada noiva de José de Carvalho, filho do Marquez de Pombal. D. Izabel esteve enclausurada no Mosteiro do Calvario, por ordem do duro ministro, até se resolver a acceitar a mão do filho. Depois da morte do rei D. José, foi o matrimonio annullado, vindo D. Izabel a formar o tronco da casa Palmella pelo casamento com D. Alexandre de Souza. (Notas extrahidas dum artigo do erudito antiquario eborense Sr. José Barata. In _Serões_, Junho de (1)907) O menino Jesus será obra de Machado de Castro?] SEXTILHAS A UM MENINO JESUS D'EVORA _A João Barreira_ «Em Evora vi um menino... ...Que a dois annos não chegava ...Era de maravilhar»... Garcia de Rezende. _Miscellanea._ Num convento solitario D'Evora, cidade clara, Claro celleiro de pão, Existe uma imagem rara Obra dum imaginario Dos tempos que já lá vão... É um menino Jesus, De bochechinha brunida Côr de maçã camoeza, Mas no seu rosto transluz Uma expressão dolorida Que enche a gente de tristeza... De tantissimas imagens Nenhuma vi que mais prenda, Que maior ternura expanda, Com suas calças de renda, Seu vestido de ramagens, --E corôa posta á banda... Gordo, nedio, bem trajado, Deveria ser feliz, Deveria estar sorrindo; Mas o seu olhar maguado, Tão maguado, tão lindo, Que não o é, bem n'o diz... Se não fosse por ser Deus E o seu poder infinito Ter sempre que o demonstrar, Cá na terra e lá nos ceus, Estenderia o beicito --E desatava a chorar!... Corre o tempo descuidado, Passa uma hora, outra hora, Atraz desta outras se vão E, quem o vê, encantado, Sem se poder ir embora Numa perpetua attração... Eu entrei com sol a pino. Pouco depois da chegada (Pouco a mim me pareceu) Deixei de ver o Menino... Não era a vista cançada, --Foi a noite que desceu... Mesmo assim lá ficaria Absorto em muda prece De quem mal sabe rezar, Se o sacristão não viesse, Com rodas de Senhoria, Dizer-me que ia fechar... Pudesse tel-o trazido E não fosse eu rico, apenas De phantasias, d'esp'ranças, Punha-o num nicho florido Por sobre as camas pequenas Dum hospital de creanças... Dum hospital modelar Sustentado por meus bens, Entre olaias e roseiras, Cheio de sol, cheio d'ar, E em que as boas enfermeiras --Seriam as proprias mães... A mais ampla enfermaria Desse escolhido local De bondade e soffrimento --Era o fundo natural Da funda melancolia Do Menino do convento... BALLADA DA NEVE Il pleure dans mon coeur Comme il pleut sur la ville. Verlaine _A Vicente Arnoso_ Batem leve, levemente Como quem chama por mim... Será chuva? Será gente? Gente não é certamente E a chuva não bate assim... É talvez a ventania; Mas ha pouco, ha poucochinho, Nem uma agulha bolia Na quieta melancolia Dos pinheiros do caminho... Quem bate assim levemente Com tão estranha leveza Que mal se ouve, mal se sente?... Não é chuva, nem é gente, Nem é vento com certeza. Fui ver. A neve cahia Do azul cinzento do ceu Branca e leve, branca e fria... --Ha quanto tempo a não via! E que saudades, Deus meu! Olho-a atravez da vidraça. Poz tudo da côr do linho. Passa gente e quando passa Os passos imprime e traça Na brancura do caminho... Fico olhando esses signaes Da pobre gente que avança E noto, por entre os mais, Os traços miniaturais Duns pézitos de creança... E descalcinhos, doridos... A neve deixa inda vel-os Primeiro bem definidos, --Depois em sulcos compridos, Porque não podia erguel-os!... Que quem já é peccador Soffra tormentos, emfim! Mas as creanças, Senhor, Porque lhes daes tanta dôr?!... Porque padecem assim?!... E uma infinita tristeza Uma funda turbação Entra em mim, fica em mim prêsa. Cae neve na natureza... --E cae no meu coração. TOADA PARA AS MÃES ACALENTAREM OS FILHOS _A Bertha Cayolla Gil Vianna_, minha sobrinha Oh Desgraça! vae-te embora, Que esta linda criancinha Andou no meu ventre e agora Trago-a nos braços. É minha!... Do berço, segue-me os passos; Onde eu vou, seus olhos vão... E quando a aperto nos braços --Abraço o meu coração. Quando o seu chôro receio, Embalo-a, faço que acceite A alegria do meu seio Na brancura do meu leite... E quando assim não descança, Que tristezas me consomem! --Mas antes chore em creança Que depois, quando fôr homem... Se ao dal-o ao mundo soffri Tormentos, ancias mortaes, Desgraça, vae-te d'aqui, O que pretendes tu mais?! Bate as azas, mas ao voares, Não me apagues esta estrella. Se alguem d'aqui precisares, --Aqui me tens, em vez della! Tocam ás ave-marias. Foi-se o sol. Não vem a lua. Luzinha que me allumias, Que sorte será a tua?... Riquezas tenhas tão grandes, E tal bondade tambem, Que ao redor d'onde tu andes Não fique pobre ninguem. Que a todos chegue a ventura: Toda a bocca tenha pão, Toda a nudez cobertura, Toda a dôr, consolação... Mas se o oiro é mau caminho, --Antes tu venhas a ser O pobre mais pobrezinho De quantos pobres houver. Iremos por esses montes Altos e azues, como os céus... Que onde ha fructos e onde ha fontes, --Está a meza de Deus! E, quando a neve cahir E as seivas adormecerem, Iremos então pedir... (Acceitar o que nos derem!) Andaremos á mercê Dos genios bons, e dos falsos, Leguas e leguas a pé, Rotinhos, magros, descalços... E onde houver urzes e tojos, Pedras que rasgam a pelle, Porei o corpo de rôjos --Passarás por cima delle! Dorme, dorme, meu menino, Foi-se o sol. Nasceu a lua. Qual será o teu destino? Que sorte será a tua?... Se um crime tens de fazer, Antes fique vago um throno, Antes um palacio a arder, --Do que uma enxada sem dono... Se, porém, no teu destino, Ha tão cruentos signaes, Dorme, dorme, meu menino, --Não tornes a acordar mais! O NOSSO LAR _A Antonio Arroyo_ «Sonhar a vida é apenas entretel-a. Partamos della para nós, senão Lá vae o coração para uma estrella E fica a gente sem o coração!» _GUEDES TEIXEIRA_. _Esperança Nossa_ Quem vir--como eu os vejo--decorrer Annos e annos duma vida rasa Em miseraveis quartos d'aluguer, Frios no inverno e no estío em braza, --A um amôr sonhado de mulher Allía sempre o sonho duma casa... O aspecto duma casa raro mente, A côr, as linhas duma frontaria Dão logo a perceber nitidamente, Melhor do que um vizinho o contaria, O genio e a indole da gente Que nella tem o lar, a moradia. Vejam esses _cottages_ tanto em moda Entre os inglezes e os capitalistas, Com grades no jardim, a toda a roda... Impenetraveis ás alheias vistas... Não abrem nunca uma janella toda... São mudos, graves, individualistas. E aquelles caixotões de pedra e cal Que surgem ao formar-se um bairro novo, No constante engordar da Capital, (O que eu, aliás, muito aprecio e louvo...) --Não mostram bem, com o seu ar banal, A falta de caracter deste povo? Quando uma santa e pobre rapariga, Em cujo olhar se abranda o meu soffrer E a cujo coração o meu se liga, Puder chegar a ser minha mulher, Eu quero então que a nossa casa diga Bondade e alegria de viver. Terá um só andar. Grandes alturas Causam vertigens, trazem ambições. Os sonhos de riqueza e d'aventuras Enchem as almas de desillusões. A f'licidade vem ás creaturas Da pacificação dos corações. As portas sem degraus. Que sejam rentes Da terra. Portas largas e rasgadas, Convidativas, francas, attrahentes; Ao rez da terra, para as aleijadas e os tropegos velhinhos indigentes Se não cançarem a subir escadas... Amplas janellas para a natureza. Que o sol na sua clara irradiação Dissipe atravez dellas a tristeza; Amplas--e baixas. Quem precise pão, E o vir da rua sobre a nossa meza, Que estenda o braço, que lhe lance a mão... Ao lado um horto e um jardim fragrante, Sem grades aguçadas para o céu. A grade é agressiva, hostilisante, E sempre a impressão cruel me deu Dum dono que bradasse ao caminhante: --Tudo isto aqui é meu, sómente meu... Sem gradeamento. Um murosito apenas Revestido de rosas de toucar, De ariolas, de glicinias, de verbenas. Muro d'onde os que forem a passar Vejam lilazes, cravos, assucenas... --E a paz, a doce paz do nosso lar. O QUE O FOGO POUPOU DUM POEMETO QUEIMADO _Ao Conego Manuel do Nascimento Simão_ I Escrevo em testamento este poema Que elle tenha, na angustia com que o ligo, O brilho rutilante duma gemma Achada nos farrapos dum mendigo... Ao vesperal crepusculo da vida E sob o olhar da morte é que o componho; Erguendo assim, por minha despedida, O ultimo escalão dum alto sonho. Nesse degrau que d'entre os soes dispersos Hade attingir a cúpula dos céus, Direi ao mundo os derradeiros versos, Porei o coração nas mãos de Deus! E as mãos de Deus que os astros têm guiado Como se leve pluma cada um fôra, Hão de o sentir pesar, sollicitado Pelo logar da terra onde ella móra... II ...Sei lá pintar! Se eu soubesse pintar, era pintor. _Guedes Teixeira_ Na mais alta cidade portuguêsa Nasceu, para abrandar meu fundo mal, A mais santa, a mais cheia de pureza Das moças deste lindo Portugal. Os seus olhos são tristes e suggerem Todo um passado de resignação. São tristes, certamente por não verem O rosto incomparavel onde estão... A voz é clara como as assucenas E dolorida, candida, modesta. É dolorida, porque sente penas D'abandonar a sua bocca honesta... O riso, que é em nótulas delidas Vibra em seus labios tão rapidamente Como um beijo d'amor, ás escondidas, Na curva duma estrada em que vem gente... A mão della, uma vez, poisou na minha; Pareceu-me ao sentir-lhe a commoção, Que era o seu proprio coração que eu tinha A palpitar dentro da minha mão... Se passa, ás tardes, e de traz cahindo, O sol abraza os longes da paizagem, A sombra que em sua frente vae seguindo É a luz--a abrir-se, p'ra lhe dar passagem... Se passa, acalma os corações maguados Como outr'ora as parabolas de Christo Acalmavam a dôr aos desgraçados. Acalma os corações?! Não... não é isto. As estrophes d'amor, a quem o sinta, Dão um trabalho cheio de tormento; O tenebroso liquido da tinta Apaga, rouba a côr ao sentimento. Quiz celebrar dum modo original As finas graças do seu corpo. Errei-as. Oh Fórma! És como um fato d'hospital. Palavras! Sois a nevoa das ideias... MELODIA CONFIDENCIAL (De Albert Samain) _A L.C._ Num andamento Discreto, lento, Mal se ouve o pêndulo lavrado e antigo. Vamos vogando No lago brando E sem limites do silencio amigo... O ultimo e cavo Accorde do cravo Ficou vibrando exclamativamente. E, em espiral Ascencional, Cingiu-nos num abraço enlanguescente. Na alcatifa macia Entrou na agonia Uma rosa sedenta e abandonada, E a ambos nos invade A mistica vontade D'entrar na morte, no não ser, no nada... Com seu docel vermelho Forrado d'oiro velho, Que evoca velhas eras d'esplendor, O leito pesado, Como um deus concentrado, Remembra obscuramente o nosso amor... Na atmosphera morna O teu corpo entorna Um perfume subtil, sensual, complexo, Aroma inapagavel, Philtro informulavel Gerado á chama clara do teu sexo. Teus olhos silentes E transparentes Teem, no fundo, verdes melancolicos, E as brazas do fogão, Já quasi extinctas, dão Clarões hypnotisantes e symbolicos... Amêmo-nos assim Com um amor sem fim, Verdadeiro na carne e nas ideias; P'los dedos enlaçados Sejamos penetrados D'amor, até ás mais miudinhas veias. Em extasis intensos Quedemo-nos suspensos Por sobre a terra ironica e brutal Sem nada saber, Sem nada ver, --Numa vida isolada e musical... Não fales. Não? Ou se o fizer's, então Que seja de vagar, muito baixinho, Numa toada, leve Como o halito breve Duns labios d'anjo numa pel' d'arminho... O PASSEIO DE SANTO ANTONIO _A Columbano_ La fleur des traditions nationales est flétrie. Mais libre a tous de puiser, dans l'herbier cosmopolite des legendes, les admirables pretextes à fiction qu'il recèle. (_Litterature à Tout á L'Heure_.) Sahira Santo Antonio do convento, A dar o seu passeio costumado E a decorar, num tom rezado e lento, Um candido sermão sobre o peccado. Andando, andando sempre, repetia O divino sermão piedoso e brando, E nem notou que a tarde esmorecia, Que vinha a noite placida baixando... E andando, andando, viu-se num outeiro, Com arvores e casas espalhadas, Que ficava distante do mosteiro Uma legua das fartas, das puxadas. Surprehendido por se vêr tão longe, E fraco por haver andado tanto, Sentou-se a descançar o bom do monge, Com a resignação de quem é santo... O luar, um luar clarissimo nasceu. Num raio dessa linda claridade O Menino Jesus baixou do céu, Poz-se a brincar com o capuz do frade. Perto, uma bica d'agua murmurante Juntava o seu murmurio ao dos pinhaes. Os rouxinoes ouviam-se distante. O luar, mais alto, illuminava mais. De braço dado, para a fonte, vinha Um par de noivos todo satisfeito. Ella trazia ao hombro a cantarinha, Elle trazia... o coração no peito. Sem suspeitarem de que alguem os visse, Trocaram beijos ao luar tranquillo. O menino, porém, ouviu e disse: --Oh Frei Antonio, o que foi aquillo?... O santo, erguendo a manga de burel Para tapar o noivo e a namorada, Mentiu numa voz doce como o mel: --Não sei que fosse. Eu cá não ouvi nada... Uma risada limpida, sonora, Vibrou com timbres d'oiro no caminho. --Ouviste, Frei Antonio? Ouviste agora? --Ouvi, Senhor, ouvi. É um passarinho... --Tu não estás com a cabeça boa... Um passarinho a cantar assim!... E o pobre Santo Antonio de Lisboa Calou-se embaraçado, mas por fim, Córado como as véstes dos cardeaes, Achou esta sahida redemptora: --Se o Menino Jesus pregunta mais, ...Queixo-me á sua mãe, Nossa Senhora! Voltando-lhe a carinha contra a luz E contra aquelle amôr sem casamento, Pegou-lhe ao collo e acrescentou: Jesus, São horas... --E abalaram p'r'ó convento. UM GRÃO DE INCENSO _A Lourenço Cayolla_ Entraste com ar cançado Numa egreja fria e triste. Ajoelhei-me ao teu lado --E nem ao menos me viste... Ficaste a rezar alli, Naquella immensa tristeza. Rezei tambem, mas a ti, --Que aos anjos tambem se reza... Ficaste a rezar até Manhã dentro, manhã alta. Como é que tens tanta fé --E a caridade te falta?... A MÁSCARA _A Santos Tavares_ Por acaso, parou na minha frente, De _loup_ e dóminó de seda negra, Uma mulher d'olhar resplandecente E mento breve de figura grega. Tomei-lhe as mãos esguias entre as minhas... E os seus olhos doirados reluziram Como os punhaes ao sol, quando se tiram, Aguçados e frios, das bainhas. --Máscara, quem és tu? --E tu quem és?... --Um homem que te viu e te deseja... E um riso vago, de desdem talvez, Floriu na sua bocca de cereja. Ergui-lhe as mãos asceticas. Beijei-as. Em vibrações entrecortadas, sêccas, Tiniam taças irisadas, cheias. E uma phrase d'amôr, toda em colcheias, Vibrava nas arcadas das rebecas. Levei-a para o vão duma janella. --Máscara, quem és tu? --Para que insistes?... Outro riso subiu da bocca della Aos olhos enigmaticos e tristes. E descobriu a face. No capuz Emoldurou-se um rosto lindo e sério. Que differente porém do que eu supuz! A gente nunca deve entrar com luz Nos divinos recantos do misterio... IN PROMPTUM PASTORAL _A Amadeu de Freitas_ «Muito vence quem se vence Muito diz quem não diz tudo, Porque a um discreto pertence A tempo fazer-se mudo.» (_Copla do Infante D. Luiz_.) Sob este céu creador De manhã vergiliana, Apetece ser pastor E tocar frauta de cana; Não, pastor d'autos d'amor, D'eclogas frias e velhas, Mas verdadeiro pastor De verdadeiras ovelhas... Não conhecer o talento Nem nada do que se ensina. Esta dôr do entendimento É peor do que se imagina... Guiar o meu coração Num ingenuo christianismo. Esta civilisação É cheia de pessimismo... Comer pão negro, pão duro, Beber o leite das peáras. Pão de centeio é escuro, --Mas põe as almas ás claras... Amar alguma pastora Com palavras e com obras. Estas senhoras d'agora São mais falsas do que as cóbras... E vêr crear com carinho, Com cuidados infinitos, Á companheira, um filhinho... E ás ovelhas, borreguitos... MEDITAÇÕES SOBRE THEMAS DO ECCLESIASTES I _A Celestino Steffanina_ Vaidade de vaidades, disse o Ecclesiastes: vaidade de vaidades, e tudo vaidade. (_Capit. I, v. 1_). Semeador de iniquidades, Porque é que mandas sobre os teus eguaes?! O mando o que é? _Vaidade de vaidades_, Fumo que ao desfazer-se engrossa mais... Oh minha vista o que é que foi que viste Cá neste mundo impiedoso e rudo? _Que só a vaidade existe_ --Em todos nós, e em tudo!... II _A Israel Anahory_ Todas as coisas são difficeis; o homem não as póde explicar com palavras. Os olhos não se fartam de vêr nem o ouvido se enche de escutar. (_Capit. I, v. 8_). Palavras são palavras... Nada dizem. Teias d'aranha que jámais impedem Que as ideias se escapem e deslizem... Nescios os homens são quando procedem Como quem a verdade sempre traja E nunca della se encontrou despido... Difficil é... o que mais simples haja --Quanto mais o que fôr mais escondido!... Para que uma verdade vá julgar, Para que um sentimento vá sentir, Olhos: não vos canceis nunca d'olhar E vós, ouvidos, não deixeis d'ouvir. Mas por fim Nem assim... O mais profundo pensamento É sempre insubsistente e aerio, Por que a todo o momento --Se perde no misterio... III _A José Barbosa_ Que é o que foi? É o mesmo que hade ser. Que é o que se fez? É o mesmo que o que se hade fazer. Que é o que foi? --O mesmo que hade ser... A vida é como o passo egual dum boi Que vem dos campos ao anoitecer; Com o seu lento e resignado aspeito, Andou um passo, e logo um outro dá. _Tudo quanto foi feito De novo se fará_... IV _A Ladislau Patricio_ Os olhos do sabio estão na sua cabeça: o insensato anda em trevas: e aprendi que era uma e mesma a morte dum e doutro. (_Capit. II, v. 14_) O sabio tem os olhos da razão Além desses que tu na fronte levas, Oh nescio que sem guia e sem bordão Vaes pela vida a caminhar nas trevas... (_E d'ahi? E depois? Se surge um incidente, Fere indistinctamente Ou ambos elles, ou qualquer dos dois_...) V _A Adelaide Gil, minha irmã_ Todas as coisas caminham a um logar: de terra foram feitas e em terra se hão de tornar do mesmo modo. (_Capit. III, v. 3_). Mas o que é, afinal, a perfeição? Como é que tudo, oh sabios, evolue _Se as coisas todas caminhando vão Para um egual e unico logar, Se o pó que as constitue Em pó se hade tornar_? VI _A Eduardo Graça_ Todas as coisas teem seu tempo e todas ellas passam debaixo do céu segundo o termo que a cada uma foi prescripto. (_Capit. III, v. 2_). Socega, coração attribulado, De toda a dôr se apaga todo o traço. Pois quanto ao mundo vem, traz já marcado _O seu tempo e tambem o seu espaço_... E queira Deus, coração, Que esta hora de anciedade E de pranto e d'afflicção --Nunca te cause saudade!... A CANÇÃO DAS PERDIDAS _A Vianna da Motta_ I Quem por amôr se perdeu Não chore, não tenha pena. Uma das santas do céu --É Maria Magdalena... II Minha mãe foi o que eu sou. Eu sou o que tantas são. Que triste herança te dou, Filha do meu coração! III Meu pae foi para o degredo Era eu inda pequena. Se não morresse tão cedo, Morria agora--de pena... IV E ha no mundo quem afronte Uma mulher quando cae! Nasce agua limpa na fonte, Quem a suja é quem lá vae... V Aquelle que me roubou A virtude de donzella Se outra honra lhe não dou, --É porque só tive aquella!... VI Nós temos o mesmo fado, Oh fonte d'agua cantante, Quem te quer, pára um boccado. Quem não quer, pássa adeante... VII O meu amôr, por amal-o, Poz-me o peito numa chaga: Deu-me facadas. Deixal-o. Mas ao menos não me paga! VIII Nem toda a agua do mar Por estes olhos chorada Daria bem a mostrar O que eu sou de desgraçada! IX Como querem vêr contente Este paiz desgraçado, Se dão só livros á gente Nas escolas do peccado... X Dormia o meu coração Cançado de fingimento. Bateste-me, e vae então Acordou nesse momento. XI Se aquillo que a gente sente, Cá dentro, tivesse vóz, Muita gente... toda a gente Teria pena de nós! CARTA A UM RAPAZ SENTIMENTAL «Um mover d'olhos brando e piedoso Sem vêr de quê; um riso brando e honesto Quasi forçado; um doce e humilde gesto De qualquer alegria duvidoso * * * * * Um encolhido ousar; uma brandura, Um medo sem ter culpa; um ar sereno, Um longo e obediente soffrimento. * * * * * Camões Num quente e perturbante fim de tarde, Cujo magnetico e profundo enlevo Ainda agora em mim crepita e arde, Como se fosse a tarde em que te escrevo, Ergui os olhos distrahidamente, A ver se já brilhava alguma estrella No concavo do céu opalescente --E vi, numa varanda, os olhos della... Do episodio que acabo de contar-te Tão simples, tão banal, que dá vontade, Para lhe pôr um boccadinho d'arte, De lhe roubar um pouco de verdade, Foi que este amor espiritual nasceu, Nasceu, cresceu e se tornou eterno... Repara, amigo, como olhando o céu A gente, ás vezes, póde achar o inferno. Mas quem podia então adivinhal-o? O olhar dessa mulher era tão lindo Que deslumbrado me fiquei a olhal-o. Descera a noite. A lua ia subindo... Era lua cheia e, para mais, d'agosto; Dava em toda a varanda. Assim, eu via As fórmas portuguêsas do seu rosto Nitidamente, como á luz do dia. E cá dentro de mim senti nascer A dúvida, a incerteza, a hesitação Sobre o que mais desejaria ser: Se o noivo della, se o primeiro irmão... Uma estrella cadente reluziu Por sobre as torres da vizinha egreja, Pensei commigo: Deus o decidiu: É minha noiva que Elle quer que seja. Não dizia ventura, mas desgraça, A claridade do signal aereo. (Na mesma direcção da egreja, passa A rua que vae dar ao cemiterio...) Porém, como querendo agradecer-me A decisão que attribuira a Deus, Inclinou-se de leve para ver-me E os doces olhos demorou nos meus. Sob a caricia desse olhar cinzento, Que ao abaixar-se parecia negro, O coração que me batia lento, Mudou o andamento para alegro. Uma hora decorreu. Outras passaram. Passaram, foram-se; e naquelle enleio Que tempo os nossos olhos conversaram!... Estava a noite já em mais de meio. Vinha dos montes uma brisa ardente. O céu ganhára tons d'azul cobalto. O luar cahia silenciosamente. Na sombra, os rouxinoes cantavam alto. Arrependidos, ou então, cançados De se fitarem com demora em mim, Os seus olhos piedosos e sagrados Ao dialogo d'amor puzeram fim. Desviára-os; e entre as palpebras discretas, Poisára-os nas mãos claras e pequenas, Como se foram duas borboletas Voando para duas assucenas. Ergueu-se. O busto delicado e fino Tinha os suaves, religiosos traços Da Virgem num altar. Só o Menino Faltava na doçura dos seus braços... Num olhar impregnado de candura, Disse-me adeus e recolheu. Depois... A luminosa noite fez-se escura. Calaram-se na sombra os rouxinoes. Entrei em casa e quiz dormir. Raiára A madrugada sem que o conseguisse. Quem um sonho tão limpido sonhára, Inutil se tornava que dormisse... Annos felizes neste amor gastei. Vieram em seguida as horas más. O que nellas soffri, o que passei, Um dia, noutra carta, o saberás. MÃOS FRIAS CORAÇÃO QUENTE Dez da manhã. Vento da serra. Tres graus negativos _Mãos frias, coração quente_! Quanta vez isto dizias Com o teu ar sorridente, Apertando-me as mãos frias... Agora decerto o tenho Num brazeiro, num vulcão. O frio é tanto, é tamanho Que a penna cae-me da mão... Q'ria dizer-te o que penso E o que faço e premedito, Mas posso lá ser extenso Com este frio maldito! Tu perdoas certamente, Tu não te zangas, pois não? _Mãos frias, coração quente_ --Lá diz o velho rifão... NOIVA _A João da Silva_ «Anda a dôr dissimulada Mas ella dará seu fruito.» Crisfal «_Vae ser pedida. Casa qualquer dia._» (_Trecho duma carta_) Tive noticias hoje a teu respeito: «Vae ser pedida. Casa qualquer dia». E o coração tranquillo no meu peito --Continuou a bater como batia... Surpreso duma tal serenidade, Todo eu, intimamente, me sondava: Pois nem ciume? Nem sequer saudade?! --E nem ciumes, nem saudade achava... Saudades, não; que o teu amor antigo Guardam-no as cinzas (neste coração) Como em Pompeia aquelles grãos de trigo Que após centenas d'annos deram pão... Saudades! Mas de quê?! Pois não sei eu A lei antiga como o proprio mundo De que o prazer mal chega, já morreu, E só a dôr nas almas cava fundo? Causei-te longas horas d'amargura, Não consegues voltar a ser feliz; A chaga que te abri não terá cura, E se curar--lá fica a cicatriz. Á luz dum juramento que trahiste Tu has de vêr-me toda a vida pois. Ergueste-o a Deus num dia amargo e triste E Deus casou-nos esse dia, aos dois... Ciumes tambem não, por te venderes. Desgraçadinha! Antes te houvesses dado; Não descerias tanto entre as mulheres, Seria mais humano o teu peccado. Porém, embora a tua falta aponte, P'ra mim és a que foste (ou que eu suppuz); O sol desapparece no horisonte --E a gente vê-o ainda a dar-nos luz... Póde a desgraça erguer em frente a mim Altas montanhas d'elevados cumes. O sol do amôr doiral-as-ha, e assim, Vendo-o tão alto, não terei ciumes. Ciumes! _Elle_ é que hade tel-os, quando, Em claras noites de luar silente, Ouvir vibrar alguma voz, cantando Os versos que te fiz devotamente. Versos para te ungirem os ouvidos E os labios d'anemica e de santa, Tão pobres, tão ingenuos, tão sentidos, Que o povo humilde os acolheu e os canta. Então, se te olhar bem, logo adivinha... Logo sombriamente se convence De que a tua alma se fundiu na minha --E apenas o teu corpo lhe pertence. DE PROFUNDIS CLAMAVI AD TE DOMINE _Á Leo_ Ao charco mais escuso e mais immundo Chega uma hora no correr do dia Em que um raio de sol, claro e jocundo, O visita, o alegra, o alumía; Pois eu, nesta desgraça em que me afundo, Nesta contínua e intérmina agonia, Nem tenho uma hora só dessa alegria Que chega ás coisas infimas do mundo!... Deus meu, acaso a roda do destino A movimentam vossas mãos leaes Num aceno impulsivo e repentino, Sem que na cega turbulencia a domem?! Senhor! Não é um seixo o que esmagaes; Olhae que é--_o coração dum homem_!... JOANNINHA _A Mayer Garção_ Descance de quando em quando... Passar assim toda a tarde Sempre bordando, bordando, Sem que um momento desista, Até faz pena! Não lhe arde Nem se lhe perturba a vista?... Descance de quando em quando... Erga os olhos do bordado E veja quem vae passando. O trabalho alegra a gente, Mas assim, tão aturado, --Não lhe faz bem certamente. Erga a carinha tranquilla, Erga esse rosto tão lindo E veja os moços da villa A passarem por aqui, Uns descendo, outros subindo, --E todos d'olhos em si... Descance de quando em quando E veja se escolhe algum; Já é tempo d'ir pensando Em casar. Não é assim?... Se não lhe agrada nenhum, --Diga se gosta de mim. Desde os começos do outono Que eu a trago no sentido, Não como, não tenho sono, Tudo me dá ralação? Quer-me para seu marido? --Diga que sim ou que não... QUANDO AS ANDORINHAS PARTIAM... _A Cassianno Neves_ Bocca talhada em milagrosas linhas, A luz augmenta com o seu falar. Esta manhã um bando de andorinhas Ia-se embora, atravessava o mar. Chegou-lhes ás alturas, pela aragem, Um adeus suave que ella lhes dissera, --E suspenderam todas a viagem, Julgando que voltára a primavera... A PARÁBOLA DO PUCARO D'AGUA Acreditaram os romanticos que a arte residia principalmente na disformidade. Se atravez das proprias dores descessem ás profundas realidades da vida, teriam observado que... o viver do povo encerra em si uma poesia sagrada. Sentil-a e mostral-a não é tarefa de machinista; para tal, não é necessario juntar-lhe effeitos theatraes. ... O que é preciso é ter olhos para vêr na sombra, na pequenez e na humildade, é um coração que auxilie a vista nestes recessos do lar, nestas sombras de Rembrandt. _MICHELET_. _O Povo_ _A Manuel Penteado_ Buscava em algum assunto adrede A versos que inculcassem novidade, Quando uma intensa e irreprimivel sêde Me fez voltar do sonho á realidade. E pedi agua (já se vê) que veio Consoante é d'uzo cá por entre o povo Num pucaro de barro ingenuo e feio, Servindo-lhe de salva um prato côvo. Bebi o liquido dum trago só; E dito o «Deus te pague» habitual, Subi de novo a escada de Jacob No heroico intuito de escalar o ideal... Mas o idealismo é como a nevoa ondeante Que os rios erguem pela madrugada; O olhar destingue-a, quando está distante, E da que nos rodeia--não vê nada... De que serve afinal tentar a gente Reter, dentro das mãos, fumo de palha, Se aqui, aos nossos olhos, no existente, Ha tanta coisa que os attráia e valha?... A agua vinda neste vaso fragil Que um ignorado artista modelou Num gesto--já mechanisado e agil-- Á força d'imitar o que encontrou, É um assunto cheio de belleza, Cheio de claro e alto ensinamento. Assim na branda fala portuguêsa O désse eu, como o tenho em pensamento!... A agua é como a esp'rança Que a tudo se sujeita... Onde quer que se deita Lá fica humildemente acommodada, Seja a concha da mão duma creança, Ou a taça lendaria da ballada... Tanto sacia Num vaso tyrrêno dos da antiga Roma (Que um só valia O rútilo oiro d'avaro banqueiro) Como a que se toma Na argilla porosa, Alegre trabalho dum simples oleiro... E é Até Bem mais saborosa No barro suarento Deixado á janella, Que num opulento Copo lavrado Que seja pertença de rica baixella E sonho gentil, cinzel phantasista Dalgum grande artista Dos raros d'agora, ou do tempo afastado... Bichos humanos, féras em pé, Sêde bondosos como a agua o é... No luzente alcantil da magnitude, Ou no áspero declive da pobreza, Nunca cerreis o espirito á virtude, Nunca fecheis os olhos á belleza. Que todo o coração, Desde o sabio de genio ao cavador, Seja o Calix de paz e de perdão Contendo a agua limpida e lustral Dum irmanado e perpetuo amôr... Agua que limpe a mácula do mal E mitigue a miseria, a ancia, a magua Desta cruenta e impiedosa guerra Em que tantas creaturas se consomem. Nem só da agua Que vem da terra Tem sêde o homem... Nasce uma fonte Rumurejante Na encosta dum monte; E mal que do seio Da terra brotou, Logo o seu veio Transparente E diligente Buscou e achou Mais baixo logar... E sempre descendo, E sempre a cantar, Vae andando, Galgando, Vencendo, (Ou tenta vencer...) Folha, raíz, areia, o que tolher A sua descida... Ao brotar da dura frágoa --É uma lagrima d'agua... Mas esse humilde fiozinho, Que um destino bom impelle, Encontra pelo caminho Um outro que é como elle... Reunem-se, fundem-se os dois, Proseguem de companhia, E fica dupla depois A força que os leva e guia... Junta-se aos dois um terceiro, Outros confluindo vão, E o regato é já ribeiro E o ribeiro é rio então... E nada agora o domina Ao fiozinho da fonte. Entre collina e collina, Ou entre um monte e outro monte, Caminha sem descançar, Circula atravez do mundo --Até á beira do mar Omnipotente e profundo... Da altura em que estejaes (ou vos pareça; A vaidade é uma amante enganadora) Que o mais alto de vós se humilhe e desça Como se humilde e pobre sempre fôra... E que os demais desçam tambem de todo O orgulho e mando sobre escravas gentes Até ao valle, de lagrimas e lôdo Onde a miseria brada e range os dentes. E como as aguas que se vão juntando E juntas, e cantando, vão descendo, Reuni o choro derramado, quando Atravessardes esse valle horrendo. E o atoleiro que se havia feito No val, dantesco, pútrido, sombrio, Mudar-se-ha no irrigante leito Dum fertilisador e claro rio; E o rio, andando, andando, hade alargar --Com biliões de lagrimas vertidas-- Num infinito e luminoso mar De novas e amplas e cantantes vidas! Outubro de 1909. INDICE Prefacio Dedicatoria Luar de Janeiro Sextilhas a um menino Jesus d'Evora Ballada da Neve Toada para as mães acalentarem os filhos O nosso lar O que o fogo poupou dum poemeto queimado Melodia confidencial O passeio de Santo Antonio Um grão de incenso A máscara In promptum pastoral Meditações sobre themas do Ecclesiastes A canção das perdidas Carta a um rapaz sentimental Mãos frias coração quente Noiva De profundis clamavi ad te domine Joanninha Quando as andorinhas partiam A parábola do pucaro d'agua Acabado de imprimir aos trinta e um de dezembro de 1909 em Lisboa, na Typographia do Commercio, Rua da Oliveira, 10, ao Carmo. --- Provided by LoyalBooks.com ---