TROVAS DO BANDARRA, NATURAL DA VILLA DE TRANCOSO, APURADAS, E IMPRESSAS POR ORDEM DE UM GRANDE SENHOR DE PORTUGAL, _Offerecidas aos verdadeiros Portuguezes devotos do Encuberto._ * * * * * NOVA EDICÇÃO A que se ajuntão mais algumas nunca ate ao presente impressas. * * * * * BARCELONA: M.DCCCIX. Na mesma confusão, e nos tumultos Deixa, que por teu Rei victorias cantem, Que de quanto o Sol vê, Neptuno abarca Será comtigo Universal Monarcha. Bocarr. Anacephal. Out. 126. PROLOGO. * * * * * Na presente Edicção houve unicamente a tenção de satisfazer aos desejos, e cuidadoso empenho dos que buscão haver estas Profecias, e conservar dellas a todo custo um exemplar incorrupto. Isto procurãmos com a maior diligencia, referindo nos escrupulosamente, e com toda a pontualidade á que se publicou em Nantes em o anno de 1644, por Guillelino do Monnier, Impressor d'el Rei; e não se encontrará mudança, nem a menor alteração em accrescentamento, ou falta, porque; tudo vai como nella está, por excepção de alguns poucos, e leves descuidos da impressão, que pareceu acertado emendar. E em quanto ás ineditas, que ajuntamos no fim, por nos serem requeridas de alguns sujeitos, seguimos as melhores, e mais apuradas copias, de quantas buscámos com curiosidade, e pudemos descobrir, preferindo sempre as mais antigas, e que conservadas pela tradição continuada reputámos por mais fide dignas, além de nos serem communicadas por pessoas graves, e de authoridade, que as guardão em varios lîvros de curiosidades antigas. Todas as que aqui vaõ temos por verdadeiras, e taõ suas, e merecedoras de estimaçaõ como as ímpressas; pois no tom, e maneira de enunciar as couzas, que revela, assim como na locuçaõ, e estylo em nada se differenção dellas. Pelo que toca ao seu Author, bem conhecido he o seu nome, assim como a bem merecida reputação, e credito que tem entre todos por estas suas mesmas Profecias tam decantadas como cheias de mysterio, e verdadeiras; que ninguem ha que delle, e dellas faça menção, sem que seja fazendo lhes conciliar o grande respeito, e veneração, que se lhes deve. De sua vida nenhuma couza aqui ha que dizer, podendo se dizer muitas, porque ninguem de quantos lem estes escriptos a ignora; a anda em muitos livros, que todos podem haver mui facilmente. Foi elle o Nostradamus dos Portuguezes, como antigas memorias nos certificão, no tempo d'el Rei D. João o III. de Portugal, e porventura ainda mais celebre por seus ditos, maravilhosos vaticinios, e prognosticos, do que foi aquelle, e pelos mesmos annos na França; porque se com particular distinção obteve este os comprimentos de Henrique II., e da Rainha Catharina de Medicis, sua mulher, e de seus filhos; as honras, e estimações do Duque de Saboia Manoel Feliberto, e da Duqueza Margarida de França; e os prezentes de Carlos IX. mereceu o nosso os applausos de uma Nação inteira assim de grandes como pequenos, de illustres, e plebêos, sabios, e indiscretos, e continuados por tamanho espaço, quanto vai desde quando viveu até nossos tempos, e sempre o será, em quanto o Mundo durar, que tanto hade viver na memoria dos homens. Assim o sentiu aquelle raro engenho, e o mais accreditado Pregador o P. Antonio Vieira, consagrando lhe particular affecto, e chegando a affirmar, que era mui grande, e mui alumiado Profeta. Antonio de Souza de Macedo faz delle particular memoria por estas palavras na Lusitania Liberata a pag. 735.--"Regnante in Lusitania Joanne 3º. anno Domini 1550. in nobili oppido Trancoso decessit celeber Gondiçalus Annes Bandarra, qui decantatos á multis annis reliquit versus de Lusitanis eventibus, quorum, ultra nostros, meminit D. Joannes de Horosco, Castelanus in tract, de Vera, et Falsa Prophet. cap. 24." O lugar apontado de D. João de Horosco naõ he do cap. 24., como ali está, mas do cap. 14. do Liv. I., onde a pag. 38. diz assim.--"Y desta manera tuve yo noticia de un çapatero en Portugal, que fue tenido por Profeta." E na glosa marginal accrescenta.--"Este çapatero de Portugal fue en Trancoso dicho Bandarra, y avra este año de 88. quarenta y seis que morio."--Mas he de advertir, que nem um, nem outra acertou no anno da morte de Bandarra, que, conforme escreveu Barbosa Machado na sua Biblioth. Lusitana, foi depois de 1556. Saõ tambem dignos de ver se nos elogios, que lhe tributão D. Nicolaõ Monteiro, Vox Turtur., o P. Vasconcellos no seu admiravel Livro da Restauraç. de Portugal, e outros, que aponta o mesmo Barboza. Resta antes de concluir mos em agradecimento fazer neste lugar honrada memoria de dous consumados varões, que muito contribuiraõ para gloria do nosso Author. Seja o primeiro D. Vasco Luiz da Gama, V. Conde da Vidigueira, e I. Marquez de Niza, a quem se deve aquella Edicçaõ de Nantes, e nella se diz sómente ser por um grande Senhor de Portugal; e verdadeiramente foi notado de mui nobres, e excellentes qualidades, por onde se faz credor de grandissimos elogios. Occupou mui altos empregos, como o de Almirante do Mar da India, Deputado da Junta dos Tres Estados, e do Despacho das Juntas na Regencia da Rainha D. Luiza, e de seus filhos os Reis D. Affonso VI., e D. Pedro II. sendo Regente, Vedor da Fazenda dos ditos Reis, e Estribeiro Mor da Rainha D. Maria Francisca Isabel de Saboia. Foi Commendador na Ordem de Christo, e do Conselho de Estado, e Guerra, e duas vezes Embaixador a França por El Rei D. João IV., a primeira em 1642, e a segunda em 1646, em que mostrou discripção, prudencia e zelo do bem do Reino, a ultimamente a Roma em obediencia aos Papas Urbano VIII., e Innocencio X. Na Paz, que se celebrou deste Reino com Castela em 1668. teve muita parte, sendo um dos Plenipotenciarios para ella eleito, em que se houve com muita circumspecção. O outro he D. Alvaro de Abranches da Camera, que antes lhe havia mandado levantar novo sepulchro com seu Epitafio na Igreja de S. Pedro da Villa de Trancozo, trasladando seus ossos de outra baixa, e humilde, em que jazia, e fazendo lhe insculpir por divisa na pedra os instrumentos do officio de çapateiro, que elle havia exercitado. Esta grande honra havia o mesmo Bandarra profetizado nas Quadras 8 e 9 do. III. Corpo das Trovas, Sonho I. por estas mysteriosas palavras: 8. Vejo, mas não sei se vejo, O certo he, que me cheira, Que me vem honrar á Beira Um Grande do pè do Tejo. 9. Formas, cabos, e sovelas Lavradinhas com primor Mandareis abrir, Senhor, Muitos folgarão de vê las. Ali taõ somente lhe chama, e assim o dá a conhecer, "Um Grande do pé do Tejo:" e sem duvida foi elle um dos mais illustres, e accreditados Fidalgos da Corte no seu tempo. Era filho de D. Francisco da Camera Coutinho, Commendador de S. João da Castanheira na Ordem de Christo e D. Guimar de Abranches; e neto pela parte paterna de Rui Gonsalves da Camera, Capitão Donatario da Ilha de S. Miguel, I. Conde de Villa Franca, e de D. Joanna de Blaesvelt, da Casa dos Condes de Redondo, e pela mai de D. Joao de Abranches de Almada, e de sua segunda mulher D. Antonia de Souza. A tamanha nobreza uniu muitos merecimentos, adquiridos por seus serviços. Deve se a seu singular espirito, e valor a liberdade da Patria na gloriosa Acclamação d'el Rei D. João IV., sendo um daquelles illustros Fidalgos, que para ella sobre maneira concorreu, arvorando a Bandeira da Cidade, recobrando o Castello de Lisboa, e soltando alguns, que ali se achavão prezos, com outras muitas acções de lealdade, e heroico desinteresse, que serão de exemplo á posteridade. Foi Commendador de S. João da Castanheira, Senhor dos Morgados de Abranches, e Almadas, Conselheiro de Estado, Mestre de Campo General da Estremadura, e por duas vezes Governador das Armas da Provincia da Beira. E porque digamos tudo para seu completo elogio, foi casado com D. Maria de Lencastre, da Casa dos Barões, hoje Marquezes de Alvito, e della houve a D. Magdalena de Lencastre e Abranches, I. Condessa de Valladares, mulher do Conde D. Miguel Luiz de Menezes, e D. Guimar de Lencastre, que foi mai de Tristão da Cunha de Ataide, I. Conde de Povolide, e de Nuno da Cunha de Ataide, Inquisidor Geral destes Reinos, e Cardial da Santa Igreja de Roma do titulo de S. Anastacia, por quem se transmitiu o Segundo Corpo das Trovas ineditas, que agora damos. Delle se lembra o P. Nicolão da Maia na Relação daquella Acclamação que publicou em 1641. Salgad. de Araujo, Success. Militar. Liv. III., cap. 30, e seg., O Conde da Ericeira, Portug. Restaurad. P. I. nos Liv. 2. 4. 7. 8., Souz. Hist., Genealog. da Casa Real, Liv. VII. cap. I. Castro, Mapp. de Portugal, P. IV. cap. 4. e outros. A honra de mandar levantar a Bandarra o sepulchro, que acima dizemos, e por que se lhe deve esta sua memoria, refere o mesmo Antonio de Souza de Macedo na sobredita Lusitania Liberat., e lugar apontado a pag. 736., e damos as suas mesmas palavras:--"Anno 1641. D. Alvarus de Abranches, provinciae Beirae Generalis, hujus viri humile sepulchrum in portico Ecclesiae S. Petri dicti oppidi Trancoso, elevavit honorifice nobili epitaphio; et Rex postea, capella boni reditu ejus donavit nepotem; ac merito, nam si Nabuchodonosor, et Cyrus remunerarunt Hieremiam, et Isaiam quod pro eis prophetaverint; et magnus Alexander, in gratiam Danielis prophetisantes victorias ejus, adoravit Jaddum summum Pontificem Hierosolimae; à fortiori Christianissimus Princeps Alexandro maior generosam gratificationem debebat ostendere." AOS VERDADEIROS PORTUGUEZES DEVOTOS DO ENCUBERTO. * * * * * Divida he forçosa, Senhores, offerecer vos o amor da Patria esta insigne, e mysteriosa obra: porque se seu Author fôra vivo neste venturoso tempo assim o fizera em satisfação de tão dilatadas esperanças, que por mais de sessenta annos alentarão o animo daquelles, que com tanta razão, e justiça desejavão, que a Real Coroa de Portugal tornasse a illustrar a cabeça de Principe natural, e verdadeiro. Tudo merece uma firme, e longa esperança pois não ha couza que mais custe, e atormente. Assim o affirma Estacio no Livro I. ...."Spes anxia mentem Extrahit, et longo consummit guaudia voto." Tambem se vos offerece nestas Trovas do Bandarra uma verdade cumprida para recompensa de vossos desejos continuos, merecedores sempre de desempenhos grandes, quaes são as certas posses de esperanças continuas. Para sua maior estimação he precisamente nescessario o conhecimento, e noticia do sazonado fructo que se possue, procedido da flor do que se esperou: porque não ha amar sem conhecer diz o Principe da Filosofia: Nihil volitum, quin praecognitum. O Libertador do nosso captiveiro, captiveiro, o remedio de nossos males, o descanço, de nossos trabalhos he o Rei Encuberto, de quem trata Bandarra, e a quem tomou por assumpto, e por objecto de seus versos, como nelles se vê, e particularmente na Estancia LXXII. dizendo: Este Rei tão excellente, De quem tomei minha teima. Val o mesmo que dizer: Deste Rei trato somente, delle escrevo, posto que as figuras, e acções sejão muitas, e differentes. O teimoso sempre porfia, e teima: assim Bandarra sempre falla neste Rei, ao qual chama o Encuberto, como consta do Verso LXXV. fallando do Porco, que fará fugir para o deserto: Demostra que vai ferido Desse bom Rei Encuberto. A este Rei Encuberto attribue seis propriedades, e signaes, quaes saõ os seguintes: O Primeiro, O Rei novo he alevantado. Verso LXXXVII., diz, que he Rei novo. O Segundo, que será Rei eleito, e naõ só por successão. Verso C. O Rei novo ho escolhido, e elegido. O Terceiro, que he Infante, como se lê no Verso LXXXVIII. Saia, saia esse Infante, bem andante. O Quarto, que se chamará D. João, Verso LXXXVIII.: O seu nome he D, João, nome, de que tanto gostou o Author, que seis vezes falla nelle, como se vê nos Versos XXV. XXXVIII. XLIV. LV. LXXXVIII. XCIII. O Quinto, que terá um irmão bom Capitão, Verso CII.: Este Rei tem um irmão bom Capitão. Diz ultimamente, que este Rei será acclamado, e alevantado, quando se cerrarem os quarenta annos, como consta do Verso LXXXVII.: Ja se cerraõ os quarenta Que se e[m]menta Por um Doutor ja passado: O Rei novo he alevantado. Todos estes signaes evidentemente convem só a El Rei D. João IV., nosso Senhor, o qual he Rei novo, porque antes não reinava, posto que era Rei de juro. Rei elegido foi pela commum inspiração, e geral acclamação de todo o Reino; Infante era tambem, porque os Principes de Bragança são Infantes, como tambem por bisneto do Infante D. Duarte, filho nono do Senhor Rei D. Manoel. Chama se alem disto D. João. Tem um irmão valeroso Capitão qual he o Senhor Infante D. Duarte, que Deos livre. A eleição, ou commum inspiração, e acclamação (que tudo he o mesmo conforme a Direito) foi quando cerravão quarenta annos, pois foi Sabbado (e havia de ser Sabbado) dia setimo, em que Deos descançou da creação do Universo, como em mysterio, e em signal, que nossas afflicções o cançarão, e que descançava com o Rei, que naquelle dia nos deu para nosso descanço liberdade; pois o dia em que primeiro descançou foi, como se sabe Sabbado. Assim nos restituiu o nosso legitimo Rei Sabbado primeiro dia de Dezembro, mez em que cerrou o anno de 1640. Conclue se logo com toda a certeza, e moral evidencia, que El Rei D. João o IV., nosso Senhor he o esperado, e tão desejado Rei Encuberto, de quem Santo Isidoro fallou na era de 636., escrevendo muitas couzas futuras de Hespanha[1], e Bandarra tantas vezes repitiu. Não ha mais esperar outro Encuberto; porque he couza vã, e aerea; e o mesmo Rei de Castella chamou a El Rei, nosso Senhor Encuberto duas vezes, quando antes de ser Rei o mandou governar ás armas de Portugal á Villa de Almada, em a Carta dizia fosse encuberto; e pois os signaes, que delle se apontão de nenhuma maneira convem a El Rei D. Sebastião, nem he Rei novo mas velho; não foi Rei de eleição senão de successão, e que nasceu Rei, porque não se chamava João, nem teve outro irmão bom Capitão. Conheção logo todos esta clara verdade; e farão toda a devida estimação das Trovas do celebrado Bandarra, qua neste particular ja vemos desempenhadas, e cumpridas. [1] Estas Profecias de Santo Isidoro, Arcebispo de Sevilha, de que aqui falla, em que vaticinou successos de Castella, podem ler se na Ressurreição de Portugal por Fernão Homem, que tambem foi impressa em Nantes pelo mesmo impressor Guillelmo do Monnier; e ahi se diz forão tiradas de um Livro, que se havia impresso em Valença no anno de 1520., e que andavão nas lições de sua vida no Breviario Dominicano, e em outros. O anno de 636., que tambem aqui se a ponta, foi o mesmo da morte deste Santo Prelado, mui esclarecido pelo zelo da Fe, e inteireza da disciplina Ecclesiastica. VALETE. A QUEM LER. * * * * * Foi Gonçaleannes Bandarra (Benevolo Leitor) um official de çapateiro de calçado de corrêa, homem de boa vida, o qual viveu na antiga Villa de Trancoso do Bispado da Guarda. Passou sempre pobremente, e sem mais cabedal, que a limitado de seu officio, que naquelles lugares não costuma ser muito. Concorreu nos tempos do Rei D. João o III. de Portugal. As suas Trovas, que compoz no anno de 1540 pouco mais ou menos, forão sempre tão recebidas, e celebradas, que não necessitão de maiores abonações que as do tempo que tanto as accredita. E se tambem as faz muito estimadas o offerece las seu Author ao Illustrissimo Bispo da Guarda D. João de Portugal, que Deos tem,[2] mais o devem ser hoje assim pelos effeitos mostrarem sua verdade como pelas mandar imprimir um Principe Portuguez grande, e excellente. Acção na verdade descobridora do fino amor de Rei, e do zelo do bem do Reino (que vivem em seu nobre, e fiel peito) cujas principiadas glorias faz estampar, para que sejão notorias, e perpetuas. Estas canta o celebre Bandarra em seus grosseiros, mas mysteriosos Versos, a quem o entendimento applica mais authorisado titulo que o curto, que se permitte á penna. Muito se pode sentir, mas nem tudo se pode dizer particularmente em materias, que pedem approvação do Supremo Tribunal. [2] Esta Dedicatoria a D. João de Portugal, Bispo da Guarda he o documento mais certo da morte de Bandarra succeder depois do anno de 1556, porque so neste podia ser feita, que foi o primeiro em que aquelle Prelado foi provido na quella Diocese, e confirmado pelo Pontifice Paulo IV., e ainda no anno seguinte he que tomou posse. Foi mui exemplar por suas virtudes, como lhe chama Bandarra, nãe menos do que era mui distinto por sua nobreza como ramo florecente dos primeiros Condes de Vimioso. A heroica paciencia, com que sofreu ser despojado da sua dignidade Episcopal, e recluso em um Mosteiro, depois da infausta jornada do nosso Augustissimo REI o Senhor D. Sebastião nosso Senhor, fará em todo o tempo sempre illustre o seu nome, e mui accreditada a sua memoria. Grandes injurias tem feito o dilatado tempo de mais de cem annos ás Trovas do Bandarra: uma vez viciando as com a corrupção; outra accrescentando as; outra diminuindo as. Para ficar só o grão, e deitar fóra do taboleiro o joio, e a hervilhaca foi necessario (e não com pouca industria) buscar as mais antigas copias, das quaes a de menor idade he de outenta annos, nas mãos de pessoas intelligentes, e fide-dignas, com as quaes se apurou esta, que sahe á luz, e ficará ás escuras a immensa multidão de treslados destas Trovas, todos viciados, e corruptos: pois não havia pessoa, que não tivesse um Bandarra a seu modo. Vaõ os Versos numerados, e rubricados para maior clareza, e distinção. Deve se porem advertir um grande mysterio, que está no Verso LXXXVIII. aonde diz.--O seu nome he D. João.--Lião muitos.--O seu nome he de D. João;--mas os mais antigos usavão de uma letra I, que parecia ser a letra F. Quiz Deos, por nosso bem, que no ler houvesse diferencas. VALE. TROVAS DO BANDARRA. * * * * * DEDICATORIA DO AUTHOR _A Dom João de Portugal Bispo da Guarda._ Illustrissimo Senhor, De Virtudes mui perfeito, Vós deveis de ser eleito De todas as Leis dador. Deos vos deu tanto primor, Que não se acha em vossa marca Mais subido Patriarcha, De nobre Gente Pastor. Determinei de escrever A minha çapataria: Por ver Vossa Senhoria O que sahe de meu cozer. Que me quero entremeter Nesta obra, que offereço Porque saibão o que conheço, E quanto mais posso fazer. Sahirá de meu cozer Tanta obra de lavores, Que folguem muitos Senhores De a calçar, e trazer. E quero entremeter Laços em obra grosseira, Quem tiver boa maneira Folgará muito de aver. Cozo com linho assedado, Encerado a cada ponto; Cozo meudo sem conto, Que assim o quer o calçado. Se vier algum avizado Requerer algumas solas, Eu as corto sem bitolas, E logo vai sobresolado. Tambem sou official: Ás vezes cozo com vira, E sei bem como se tira O ganho do cabedal. Se vier algum zombar Fazer me qualquer pergunta, Dir lhe hei, como se ajunta A agulha com o dedal. Minha obra he mui segura Porque a mais he de correia, Se a alguem parecer feia, Naõ entende de costura. Eu faço obra de dura, E não ando pela rama, Conheço bem a courama, Que conve[m] á creatura. Sei medir, e sei talhar, Semque vos assim pareça: Tudo tenho na cabeça, Se o eu quizer usar. E quem o quizer grozar, Olhe bem a minha obra, Achará, que inda me sobra Dous cabos pera ajuntar. Sempre ando occupado Por fazer minha obra boa, Se eu vivera em Lisboa, Eu fôra mais estimado. Contente sou, e pagado De lançar um so remendo, Indaque estem remoendo, Não me toquem no calçado. SENTE BANDARRA AS MALDADES DO MUNDO, E PARTICULARMENTE AS DE PORTUGAL. * * * * * I. Como nas Alcaçarias Andão os couros ás voltas, Assim vejo grandes revoltas Agora nas Clerezias. II. Porque usão de Simonias E adorão os dinheiros, As Igrejas, pardieiros, Os corporaes por mais vias. III. O sumagre com a cal Faz os couros ser mociços, Ah! quantos ha máos noviços Nessa Ordem Episcopal. IV. Porque vai de mal a mal Sem ordem nem regimento, Quebrantaõ o mandamento, Cumprem o mais venial. V. Tambem sou Official Sei um pouco de cortiça Não vejo fazer justiça A todo o Mundo em geral. VI. Que agora a cadaqual Sem letras fazem Doutores, Vejo muitos julgadores, Que não sabem bem, nem mal. VII. Borzeguins pera calçar Haõ de ser de cordovães, Notarios, Tabaliães Tem o tento em apanhar. VIII. Vêlos heis a porfiar Sobre um pobre seitil, E rapar vos por um mil Se volos podem rapar. IX. Tambem sei algo brunir Quaesquer laços de lavores: Bachareis, Procuradores Ahi vai o perseguir. X. E quando lhe vão pedir Conselho os demandões, Como lhe faltão tostões, Não os querem mais ouvir. XI. Há de ser bem assentada A obra dos chapins largos, A linhagem dos Fidalgos Por dinheiro he trocada. XII. Vejo tanta misturada Sem haver chefe que mande; Como quereis, que a cura ande, Se a ferida está danada? XIII. Tenho uma gentil sovela, Com que cozo mui direito: Se a mulher não desse geito, Não olharião pera ella. XIV. Em que seja uma donzella Nobre, casta e oradora Ella he a causadora, Do que acontecer por ella. XV. Sei tambem mui bem cozer Uns borzeguins Cordovezes; Todos os trajos Francezes Quemquer os quer ja trazer. XVI. Os que não tem que comer Fazem trajos mui prezados, Ficão pobres, Lazarados Por outros enriquecer. * * * * * SONHO PRIMEIRO, _Que finge a modo Pastoril._ XVII. Vejo, vejo; direi, vejo, Agora que estou sonhando, Semente d'el Rei Fernando Frazer um grande despejo. XVIII. E seguir com grão desejo, E deixar a sua vinha, E dizer esta casa he minha Agora que cá me vejo. XIX. A cerca dos Grecianos Corrê la hão os Latinos, Serão contrarios os signos A todos os Arrianos. XX. Tambem os Venezianos Com as riquezas que tem, Virá o Rei de Salem Julgá los ha por mundanos. XXI. Ja os lobos são ajuntados Dalcatea na montanha, Os gados tem degolados, E muitos alobegados, Fazendo grande façanha. XXII. O Pastor mor se assanha: Ja ajunta seus ovelheiros, E esperta sua companha Com muita força, e manha Correrá os pegureiros. XXIII. Depois ja de apercebidos, E as montanhas salteadas Por homens muito sabidos, E pastores mui escolhidos, Que sabem bem as pizadas. XXIV. Armar lhe hão nas passadas Trampas, cepos de azeiros, Atalaias nas estradas, E béstas nas ameijoadas Com tiros muito ligeiros. * * * * * FIGURAS DO SONHO. XXV. Virá o Grande Pastor, Que se erguerá primeiro, E Fernando tangedor, E Pedro bom bailador, E João bom ovelheiro. XXVI. E depois um Estrangeiro, E Rodoão que esquecia, E e o nobre pastor Garcia, E Andre mui verdadeiro: Entraraõ com alegria. PASTOR MOR. XXVII. Aquella vacca, que berra, Porque está assim berrando? ANDRE. XXVIII. He porque desce da serra, Não conhece bem a terra, E por isso está bramando. XXIX. Esta he a vacca, Fernando, Mai do grão touro fuscado, Que não se acha neste bando, Tem razão de estar berrando, Que não sabe onde he lançado. PASTOR MOR. XXX. Ajunte se o vaccum Aqui neste verde prado, E tambem o ovelhum, E conte o seu cadaum, Ver se ha a quem falta gado. PEDRO. XXXI. Todo ja tendes contado, Do vaccum achamos menos; Um touro esmadrigado, E um fusco, que era rozado; Do ovelhum nada sabemos. PASTOR MOR. XXXII. Oh! que dor do coração! Oh! que dor! Oh! que pezar! Oh! que grão tribulação! Arredemos a paixão, Pois se não pode cobrar. XXXIII. Seus filhos devemos criar, Os quaes mui bem guardaremos, Ficaraõ em seu lugar, Tudo lhe havemos de dar Pelo bem, que lhe queremos. XXXIV. Por honra de tal memoria Não haja aqui mais tristura, Antes cantemos com gloria, Que fique sempre em memoria Approvando a Escriptura. XXXV. Pois se cumpre a figura, E nós outros bem o vemos: Pois que ja tudo se apura, Ao Senhor da altura Com prazer mil graças demos. XXXVI. Tanja se a frauta maior, Ajunta se todo o rebanho, E eu como vosso Pastor, Com mui grão sobra de amor Vamos a partir o ganho. XXXVII. Tudo nos he sufraganho Montes, valles, e pastores, E repunhão os bailadores, Que não entre aqui estranho. XXXVIII. Fernando tanja a guitarra, Tu, João, o arrabil, Pouza teu surrão, e vara, Alegra bem tua cara Em tal bailo pastoril. XXXIX. E Pedro, que he mais subtil Entre, e baile com Florença, Jaque he dama gentil, He mui bem que lhe pertenca. XL. Andre baile com Paschoala, E venha apos a primeira, Antes de meter mais falla Entre, e baile esta Zagala, Em que sempre he referteira. XLI. Sempre foi mui agoureira Com os estranhos dançar E pois está tão cantadeira, Não seja ella a derradeira, Venha logo a bailar. XLII. Ha de ser mui de louvar Este auto, que aqui temos, E a todo o que bailar Hão lhe mui bem de pagar, E assim lho promettemos. XLIII. Sus! antes de mais estremos Baile Fernando, e Constança, E poisque tudo ja vemos, Pelo bem que lhe queremos Seja elle o mestre de dança. XLIV. João, o bom Ovelheiro, Sempre foi nobre Pastor, Não se conte derradeiro, Pois he igual ao primeiro, Este baile com Leonor. XLV. Sempre foi bom guardador Do gado, que lhe entregarão, Mui grande accomettedor, E mui grande corredor Dos lobos, que o acoçarão. XLVI. Por não ficar em olvido O nobre Pastor Garcia, Que sempre foi atrevido, E de nós muito querido, Este baile com Mecia. XLVII. Pois he de alta valia, Dêmos lhe outro montado, O monte que reluzia, Aonde faça a bailia, E paste bem o seu gado. RODOÃO XLVIII. Tudos ja tendes partido, Todos os montados dais, Eu que fui de vós querido, E dos lobos mui ferido, De mim ja vos não lembrais? PASTOR MOR. XLIX. Ainda fica mais, e mais, Vossos gados pastarão, Ficão terras de chão taes Os valles, e piornaes, Tudo vos dou, Rodoão. L. Tambem ficão umas ladeiras De hervas mui saboridas, Donde sahem umas ribeiras, Que regão muitas lameiras Com aguas esclarecidas. LI. A quellas serras erguidas, Onde está a nobre montanha, Pois por nós forão havidas, E ategora perdidas, Fiquem a toda a companha. LII. A quelle valle de alem He o valle de primor, He o valle de Salem, Onde acho que muitos tem Grande virtude, e valor. GARCIA. LIII. Ja matarão o grão Pastor, Por inveja o matarão: Porque era bom guardador, Das ovelhas bom creador; Por cobiça o acabarão. FERNANDO. LIV. Os bailos são acabados, Senhor, vamos a jantar, Que dos trabalhos passados Muitos ha aqui desmaiados, Que convem de repouzar. LV. Se algo lhe quereis dar, Sobre meza lho daremos, Onde bem pode mandar, E o seu gado bem pastar, Que assim por bem o temos. Cahe no bailo de João. PEDRO. LVI. Tambem la naquella altura Está um lobo huivando, E no meio da espessura Um bufo está bufando, E um mocho está cantando, E Andre está sentindo Não bailar como Fernando. JOÃO. LVII. Tambem Pedro, por quem procuro, He um barão singular, Que no claro, e no escuro Sempre bailou mui seguro, E hade ficar sem lhe dar? PASTOR MOR. LVIII. Pois va o elle cercar, E far lhe hão grandes damnos; I-lo hemos ajudar, Até poder sugeitar Os cavallos Mariannos. LIX. Ao redor da grão cabana Na quelles montes erguidos, No valle que se diz Canna, Ouvimos esta semana, Lobos que andão fugidos, Dando grandes alaridos, Fazendo grande agonia, Muitos mortos, e feridos, E outros andão perdidos. Cahem no bailo de Garcia. PASTOR MOR. LX. Quem mete ao estrangeiro Cá no meu nobre assento, Pois o defendi primeiro, Poisque do meu vencimento Lhe peza mui por inteiro? ESTRANGEIRO. LXI. Em que vos hei offendido, E de mim sois anojado? PASTOR MOR. LXII. He porque te hei requerido, Mil vezes commettido, E tu sempre desmandado: E porque estás abraçado Com os meus competidores, E com elles alliado, Naõ mereces ter montado Com estes nobres Pastores. LXIII. Tu me has sido revel Contra os meus ovelheiros, Abraçado com Babel Mui descrido, e cruel, Contra os meus pegureiros. Minhas ovelhas, carneiros Naõ lhe tinhas lealdade, Degolavas meus cordeiros, Derrubavas meus chiqueiros, Negavas me a verdade. ANDRE. LXIV. I vos, Pastor, mui embora, Grande merce nos fareis. Que vos vades logo essa hora, E depois que fordes fóra, Alguma razão tereis. JOÃO. LXV. Poraqui vos sahireis, Mentes o Pastor dá volta, Que depois não podereis, E quiçais nos metereis Nalguma grande revolta. FERNANDO. LXVI. Não te queiras mais deter, Busca jogos, e harmonias, Poronde tomes alegrias, Antesque hajão de volver. Oh! Senhor, tomai prazer, Que o grão Porco selvagem Se vem ja de seu querer, Meter em vosso poder Com seus portos, se passagem. LXVII. Em os campos de Tropé Vossa frauta tangereis, E nos campos de Godofré, E nas terras de Thome Todos nellas bailareis, Com os filhos de Ullisse, Que gostão nosso tanger. Nenhum porco roncará, Nenhum lobo huivará Senão por vosso querer. PROGNOSTICA O AUTHOR OS MALES DE PORTUGAL, CANTA SUAS GLORIAS COM A ACCLAMAÇÃO DO REI ENCUBERTO. LXVIII. Forte nome he Portugal, Um nome tão excellente, He Rei do cabo poente, Sobre todos principal. Não se acha vosso igual Rei de tal merecimento: Naõ se acha, segun sento, Do Poente ao Oriental. LXIX. Portugal he nome inteiro, Nome de macho, se queres: Os outros Reinos mulheres, Como ferro sem azeiro; E senão olha primeiro, Portugal tem a fronteira, Todos mudão a carreira Com medo do seu rafeiro. LXX. Portugal tem a bandeira Com cinco Quinas no meio, E segundo vejo, e creio, Este he a cabecêira, E porá sua cimeira, Que em Calvario lhe foi dada, E será Rei de manada Que vem de longa carreira. LXXI. Este Rei tem tal nobreza, Qual eu nunca vi em Rei: Este guarda bem a lei Da justica, e da grandeza. Senhorea Sua Alteza Todos os portos, e viagens, Porque he Rei das passagens Do Mar, e sua riqueza. LXXII. Este Rei tao excellente, De quem tomei minha teima, Naõ he de casta Goleima, Mas de Reis primo, e parente. Vem de mui alta semente De todos quatro costados, Todos Reis de primos grados De Levante ate ao Poente LXXIII. Serão os Reis concorrentes, Quatro serão, e naõ mais; Todos quatro principaes Do Levante ao Poente. Os outros Reis mui contentes De o verem Imperador, E havido por Senhor Naõ por dadivas, nem presentes. LXXIV. Commendadores, Prelados, Que as Igrejas comeis, Traçareis, e volvereis Por honra dos Tres Estados, E os mais serão taxados; Todos contribuirão E haverá grão confusão Em toda a sorte de estados. LXXV. Ja o Leaõ he experto Mui alerto. Ja acordou, anda caminho. Tirará cedo do ninho O porco, e he mui certo. Fugirá para o deserto, Do Leaõ, e seu bramido, Demostra que vai ferido Desse bom Rei Encuberto. LXXVI. Uma porta se abrirá N'um dos Reinos Africanos, Contraria aos Arrianos, Que nunca se cerrará. A vacca receberá A nova gente que vem, Com prázer de tanto bem Seu leite derramará. LXXVII. A lua dará grão baixa, Segundo o que se vê nella, E os que tem Lei com ella: Porque se acaba a taixa. Abrir se ha aquella caixa, Que ategora foi cerrada, Entregar se ha á forçada Envolta na sua faixa. LXXVIII. Um grão Leão se ergerá, E dará grandes bramidos; Seus brados serão ouvidos, E a todos assombrara; Correrá, e morderá E fará mui grandez damnos, E nos Reinos Africanos A todos sugeitará. LXXIX. Passará, e dará boccado Na terra da Promissão, Prenderá o velho Cão, Que anda mui desmandado. LXXX. De perdões, e orações Irá fortemente armado, Dará nelles S. Thiago, Na volta que faz depois. LXXXI. Entrara com dous pendões Entre os porcos sedeudos, Com fortes braços, e escudos De seus nobres Infanções. INTRODUZ O AUTHOR POETICAMENTE DOUS JUDEOS, QUE VEM BUSCAR O PASTOR MOR UM CHAMADO FRAIM, E OUTRO DÃO, E ACHÃO FERNANDO OVELHEIRO Á PORTA. FRAIM. LXXXII. Dizei, Senhor, poderemos Com o grão Pastor fallar? E daqui lhe prometemos Ricas joias que trazemos Se no las quizer tomar. FERNANDO. Judeos que lhe haveis de dar? JUDEOS. LXXXIII. Dar lhe hamos grande thesouro Muita prata, muito ouro, Que trazemos de além mar. Far nos heis grande merce De nos dardes vista delle. FERNANDO. LXXXIV. Entrai, Judeos, se quereis, Bem podeis fallar com elle, Que la dentro o achareis. LXXXV. Tomará com seu poder, E grão saber, Todos os portos de alem, Marrocos, e Tremecem, E Féz tambem: Fara tudo a seu querer, Vi lo hão a cometter Pelo deter, Que querem ser tributarios, E lhe querem dar dinheiros, Lisongeiros, Os quaes naõ deve querer. LXXXVI. E depois da Embaixada Declarada, Antesque cerrem quarenta, Erger se ha a grão tormenta, Do que intenta, E logo será amansada, E tomarão a estrada De calada, Naõ terão quem os affoite, Dar lhe hão aquella noite Tal açoite, Que a Fe seja exalçada. LXXXVII. Ja o tempo desejado He chegado, Segundo o firmal assenta: Ja se cerrão os quarenta, Que se emmenta, Por um Doutor ja passado. O Rei novo he alevantado, Ja dá brado; Ja assoma a sua bandeira Contra a Grifa parideira, La gomeira, Que taes prados tem gostado. LXXXVIII. Saia, saia esse Infante Bem andante, O seu nome he D. João,[3] Tire, e leve o pendão, E o guião Poderoso, e tryunfante. Vir lhe hão novas n'um instante Daquellas terras prezadas, As quaes estão declaradas, E affirmadas Pelo Rei dali em diante. [3]Veja se ao principio a advertencia do primeiro Editor da maneira, como este Verso se lia errado em alguns manuscriptos por incuria de alguns copistas, e equivocação das duas letras. LXXXIX. Naõ acho ser deteudo O agudo, Sendo elle o instrumento, Naõ acho, segundo sento O Excellento Ser falso no seu Escudo. Mas acho, que o Lanudo Mui sezudo, Que arrepellará o gato, E far lhe ha murar o rato, De seu fato Leixando o todo desnudo. XC. Naõ tema o Turco, naõ Nesta sezão, Nem o seu grande Mourismo, Que naõ recebeu bautismo, Nem o chrismo, He gado de confusão. Firmal põe declaração Nesta tenção, Chama lhe animaes sedentos Que naõ tem os mandamentos, Nem Sacramentos; Bestiaes são, sem razão. XCI. Em que venhão mais, e mais Dos bestiaes, Pelo que mostra a figura, Haverão a sepultura Da amargura, Como brutos animaes. Que se o texto bem olhais, E declarais Com fundas serão feridos, Todos mortos, confundidos Nos abysmos infernaes. XCII. As chagas do Redemptor, E Salvador São as armas de nosso Rei: Porque guarda bem a Lei, E assim a grei Do mui alto Creador. Nenhum Rei, e Imperador, Nem grão Senhor Nunca teve tal signal, Como este por leal, E das gentes guardador. XCIII. As armas, e o pendão, E o guião Forão dadas por victoria Da quelle alto Rei da Gloria Por memoria A um Santo Rei barão. Succedeu a El Rei João, Em possessão O Calvario por bandeira, Leva lo ha por cimeira, Alimpará a carreira De toda a terra do Cão. * * * * * SONHO SEGUNDO. XCIV. Oh! quem tivera poder Pera dizer, Os sonhos que o homem sonha! Mas hei medo, que me ponha Grão vergonha De mos naõ quererem crer. Vi um grão Leão correr Sem se deter Levar sua viagem, Tomar o porco selvagem Na passagem, Sem nada lho defender. XCV. Tirará toda a escorta Será paz em todo o Mundo, De quatro Reis o segundo Haverá toda a victoria. XCVI. Será delle tal memoria Por ser guardador da Lei, Polas Armas deste Rei Lhe darão tryunfo, e gloria. XCVII. Trinta e dous annos e meis Haverá signaes na terra; A Escriptura naõ erra; Que aqui faz o conto cheio. XCVIII. Um dos tres que vão arreio Demostra ser grão perigo; Haverá açoite, e castigo Em gente que naõ nomeio. XCIX. Ja o tempo desejado He chegado Segundo o firmal assenta Ja se passão os quarenta Que se emmenta Por um Doutor ja passado. O Rei novo he acordado Ja dá brado: Ja arressoa o seu pregão Ja Levi lhe dá a maõ Contra Sichem desmandado. E segundo tenho ouvido, E bem sabido, Agora se cumprirá: A deshonra de Dina Se vingará Como está promettido. C. O Rei novo he escolhido, E elegido, Ja alevanta a bandeira Contra a Grifa parideira Que taes pastos tem comido; Porque haveis de notar, E assentar, Aprazendo ao Rei dos Ceos Trará por ambas as Leis, E nestes seis Vereis couzas de espantar. CI. O nescio quer affirmar, E declarar Desde seis ate setenta Que se emmenta, Do Rei que irá livrar. Louvemos este Barão Do coração, Porque he Rei de Direito; Deos o fez todo perfeito Dotado de perfeição. CII. Este Rei tem um Irmão, Bom Capitão. Não se sabe a irmandade? Todo he nobre, em bondade; E na verdade Que sahirá com o pendão. CIII. Muitos estão desejando, E altercando, Se o meu dito será certo, Se de longe, se de perto? E sobre o tal praticando. A quelle grão Patriarcha No lo mostra, e está fallando, E declara o grão Monarcha: Ser das terras, e comarca, Semente del Rei Fernando. CIV. Este Rei de grão primor, Com furor, Passará o mar salgado Em um cavallo enfreado, E não sellado, Com gente de grão valor. CV. Este diz, soccorrerá, E tirará, Aos que estão em tristura. Deste, conta a Escriptura, Que o campo despejará, Os Fidalgos estimados, E desprezados, Que ategora são corridos, Com o tal serão erguidos, E mui queridos, E com os Reis estimados. CVI. Se lerdes as Profecias De Jeremias, Irão dos cabos da terra Tomar os Valles, e Serra, Pondo guerra, E tirar as heregias, Derrubar as Monarchias, E fantezias Serão bem apontoadas, Serão todas derrubadas, Desconsoladas Fóra da possentadorias. CVII. Ainda mas profetizando, E declarando: Seus pequenos das manadas, Derrubar lhe hão as moradas Bem entradas, E assim o vai mostrando. Ja o Leão vai bradando, E desejando Correr o porco selvagem, E toma lo há na passagem Assim o vai declarando. CVIII. Muitos podem responder, E dizer: Com que próva o çapateiro Fazer isto verdadeiro, Ou como isto pode ser? Logo quero responder Sem me deter. Se lerdes as Profecias De Daniel e Jeremias Por Esdras o podeis ver. * * * * * SONHO TERCEIRO. CIX. Oh! quem pudéra dizer, Os sonhos que o homem sonha! Mas eu hei grão vergonha De mos não quererem crer. CX. Sonhava com grão prazer, Que os mortos resuscitavão, E todos se alevantavão, E tornavão a renascer. CXI. E que via aos que estão Tras os rios escondidos; Sonhava, que erão sahidos Fóra daquella prizaõ. CXII. Vi ao Tribu de Daõ Com os dentes arreganhados, E muitos despedaçados Da Serpente, e do Dragaõ. CXIII. E tambem vi a Rubem Com graõ voz de muita gente, O qual vinha mui contente Cantando, Jerusalem. CXIV. Oh! quem vira ja Belem E esse monte de Siaõ E visse o Rio Jordão Pera se lavar mui bem! CXV. Vi tambem a Simeão Que cercaua, todas as partes Com bandeiras, e estandartes Nephtalim, e Zabulaõ. CXVI. Gad vinha por Capitão Desta gente que vos fallo, Todos vinhão a cavallo Sem haver um só piaõ. CXVII. Eu por mais me affirmar, E ver se estava acordado Vi um velho mui honrado, Que me vinha a perguntar. CXVIII. Dize me, tu es de Agar, Ou como fallas Chananêo? Ou es porventura Hebrêo Dos que nos vimos buscar? CXIX. Tudo o que me purguntais (Respondi assim dormente) Senhor, naõ sou dessa gente, Nem conheço esses taes. CXX. Mas segundo os signaes Vós sois do povo cerrado, Que dizem estar ajuntado Nessas partes Orientaes. CXXI. Muitos estaõ desejando Serem os povos juntados: Outros muitos avizados O estaõ arreceando. CXXII. Arreceão vir no bando Esse Gigante Golias Mas por ver Henoch, e Elias Doutra parte estaõ folgando. CXXIII. Dizeime, nobre Barão, Pergunto, se sois contente Dizer me vossa semente Se he da casa de Abrahão? CXXIV. Que eu sam dessa geração Sahi do Tribo de Levi, Sacerdote como Heli, O meu nome he Araõ. CXXV. Eu quizera lhe responder, E tocar lhe em a Lei, Senão nisto acordei, E tomei grande prazer. CXXVI. E depois de acordado Fui a ver as Escripturas, E achei muitas pinturas E o sonho affigurado. CXXVII. Em Esdras o vi pintado, E tambem vi Isaias, Que nos mostra nestes dias Sahir o povo cerrado. CXXVIII. O qual logo fui buscar A Got, Magot, e Ezechiel, As Domas de Daniel Comecei de as olhar; E achei no seu cantar Segundo o que representa; E assim Gad, como Agar, Que tudo se ha de acabar Dizendo: Cerra os setenta. RESPOSTA DO BANDARRA A ALGUMAS PERGUNTAS, QUE LHE FIZERÃO, E DA RESPOSTA DELLAS SE CONHECEM QUAES FORÃO. CXXIX. Os tempos que ja se vem Porque, Senhor, perguntais, Mui grande segredo tem, Que muitos dizem Amen, Mais se calão mais e mais. CXXX. O mais está por cumprir, O que a minha conta somma: Porque de partir a vir O texto se hade cumprir Primeiro, Senhor, em Roma. CXXXI. E nestes tresentos dias, Senhor, que agora contamos Se contém as Profecias De Daniel, e Jeremias, Nas quaes agora entramos. CXXXII. E depois de ellas entrarem Tudo será ja sabido, Aquelles que aos seis chegarem, Terão quanto desejarem, E um só Deos será conhecido. CXXXIII. Com vosco fallo estas couzas, Como com um grande letrado, As umas são perigosas, E as outras duvidosas Ainda naõ hão começado. CXXXIV. Antes destas couzas serem Desta era que dizemos, Mui grandes couzas veremos, Quaes naõ virão os que viverão, Nem vimos, nem ouviremos. CXXXV. Sahira o prisioneiro Da nova gente que vem, Dessa Tribu ds Rubem, Filho do Jacob primeiro Com tudo o mais quo tem. CXXXVI. O mocho está assobiando, Dizendo e chamando bois, E com medo de depois, Tudo se está arreceando. CXXXVII. Os dous bois estão berrando, Pelo tirar da barroca, Que naõ entre na sua toca O Bufo, que esta bufando. CXXXVIII. Acho em as Profecias Que a terra tremerá E como abobada soará Quando faz harmonias. CXXXIX. Dizem, que nos ultimos dias, Que aquestas couzas serão A vinte e quatro acharão Este dito de Isaias. CXL. Vejo os lobos comer As ovelhas degoladas, As vaccas mortas montadas E os cordeiros gemer. CXLI. Naõ deve a terra tremer Mas fundir se sem tardança, Pois os que tem a governança Os naõ querem defender. CXLII. Vejo o mundo em perigo, Vejo gentes contra gentes; Ja a terra naõ dá sementes, Senaõ favacas por trigo. CXLIII. Ja naõ nenhum amigo, Nenhum tem o ventre são, Somos ja vento soão, Que naõ tem nenhum abrigo. CXLIV. Vejo quarenta e um anno Pelo correr do cometa, Pelo ferir do planeta Que domostraser grão damno. CXLV. Vejo um grande Rei humano Alevantar sua bandeira, Vejo como por peneira A Grifa morrer no cano. CXLVI. Vejo o lobo faminto Concertado c'os rafeiros: Os pastores, e ovelheiros Saõ de um consentimento. CXLVII. Acho cá no instrumento, Que virá um contador Tomar conta ao pastor E pagará um por cento. CXLVIII. Revolvi o meu canhenho Sobre este forte barão, Naõ lhe acho nenhum senão; Dizer delle muito tenho. CXLIX. Vejo um alto engenho Em uma roda tryunfante, Vejo subir um Infante No alto de todo o lenho. CL. Vejo erguer um grão Rei Todo bem aventurado, E será tão prosperado, Que defenderá a grei. CLI. Este guardará a Lei De todas as heregias, Derrubará as fantezias, Dos que guardão, o que não sei. CLII. Vejo sahir um fronteiro Do Reino detrás da serra, Desejoso de por guerra Esforçado cavalleiro. CLIII. Este será o primeiro, Que porá o seu pendão Na cabeça do Dragão, Derruba lo há por inteiro. CLIV. Acho, que depois virá Ás ovelhas um pastor Mui manso, e bom guardador, Que o fato reformará. CLV. Este pastor lhe dará A comer herva mui sã, E de suas ovelhas, e lã Ao mesmo Deos vestirá. CLVI. Todos terão um amor, Gentios como pagãos, Os Judeos serão Christãos, Sem jamais haver error. CLVII. Servirão um so Senhor Jesu Christo, que nomeio, Todos crerão, que ja veio O Ungido Salvador. CLVIII. Tudo quanto aqui se diz, Olhem bem as Profecias De Daniel, e Jeremias, Ponderem nas de raiz. CLIX. Acharão, que nestes dias Serão grandes novidades, Novas leis, e variedades, Mil contendas, e porfias. TROVAS NUNCA IMPRESSAS. II. PARTE. SEGUNDO CORPO DE TROVAS DO BANDARRA. * * * * * Estas Trovas naõ vem no antecedente Exemplar impresso, mas consta por antiga memoria muito authentica serem do mesmo Bandarra: forão extrahidas de uma copia, que o Cardial Nuno da Cunha deu ao P. Fr. Francisco de Almeida. Provincial, que foi da Ordem dos Heremitas de Santo Agostinho, Provisor do Priorado do Crato, da Casa dos Condes de Avintes, e tio do Cardial D. Thomas de Almeida, primeiro Patriarcha de Lisboa. I. Levanteime muito cedo, Puz me na minha tripeça, E lá de lonje começa Um bramido, que poem medo. II. Vão todos como forçados, Passão serras, e mais montes. Secão se rios e fontes, Tudo por nossos pecados. III. Furo co'a minha sovéla Meto seda meto fio: Quando far a neve, e frio, Naõ há quem possa soffrê la. IV. Vejo a terra dezerta, E parades levantadas: Vou dando quatro pancadas Na sola, quando se aperta. V. Vejo a guerra na paz, E muitos morrer no fosso: Foje o cavallo, e o mosso Depois que o soldado jaz. VI. Entre montes muito altos Há uma casa sagrada: Ja naõ quero ver mais nada, E vou batendo os meus saltos. VII. Arranha me o gato? sape: Olho outra vez da ladeira, Deita se o cordão á geira, Não acho poronde escape. VIII. Com o trinchete aparo a sola Furando com bróca a vira: Isto he que meu gosto aspira Pois vejo o jogo da bola. IX. Estão muitos páos armados Que lá de longe se vem; A quem naõ parecer bem, Perca o officio, e meta os gados. X. Com o cerol encero o linho; Puxo com torquez o couro; Gasta se todo o thesouro Pera abrir novo caminho. XI. Quando falho aos meus fregueses Ficão descalços com magoa: Naõ saõ os reaes pera a agua Que se botarão nas rezes. XII. Vejo posta toda a gente Trabalhando, sem comer: Vejo os mortos a correr, E os vivos jazer somente. XIII. Trabalha todo o sandeo, E tambem o nobre serve; Na certã a carne ferve Pera Mouro, e Judeo. XIV. O pobre morrendo á mingua; Outros tem a arca cheia; Chove na praça, e na areia, Como agua de seringa. XV. Vou botando o meu remendo Em quanto o Senhor se veste, Uma terra assas agreste. Estou entre serras vendo. XVI. Nove letras tem o nome Duas saõ da mesma casta: Olhe qualquer como o gasta Pera naõ morrer de fome. XVII. Na era de dous, e tres Depois e tres conta mais Haverá couzas fataes, Vistas em nenhuma vez. XVIII. Haverá tantos trabalhos, Gritos, surras barregadas, Porem ja sinto as pizadas Lá pera a banda dos malhos. XIX. O povo suspira, e brama Debaixo do seu chapeo; Naõ se enxerga mais que o Ceo Quando a neve se derrama. XX. Vejo por entre dous cabos O couro que vou cozendo; Ja após outros vou vendo Muitos mareantes bravos. XXI. Ja na carreira primeira Entra a bandeira Real, Ah! Portugal! Portugal! Ja lá vai tua canceira. XXII. Dará a serpe tal Brado Do ninho que jaz, e tem Quando vir que outrem lhe vem Tirar da vinha o cajado. XXIII. Deixa os filhos mui depressa, E outrem lhos guarda, e cria; Vai caminhando sem guia, Larga a corrôa da cabeça. XXIV. Subo me a o meu eirado, Já naõ sinto matinada, Fica a terra socegada O Encuberto declarado. XXV. Abre se a porta do Templo, Entra o cordeiro fiel, Veste da casa o burel, Dá a todos grande exemplo. TERCEIRO CORPO DE TROVAS DO BANDARRA. * * * * * Forão tambem achadas estas Trovas, que se seguem na Igreja de S. Pedro da Villa de Trancoso por occasião de se desfazer a parede da Capella mór em 6 de Agosto do anno de 1729.; erão escriptas em pergaminho em 1532 por letra do P. Gabriel João, da dita Villa de Trancoso, e vizinho do mesmo Bandarra. Domingos Furtado de Mendonça, Commissario do Santo Officio lançou logo mão dellas, mas naõ faltarão pessoas graves, e de qualidade, que as trasladarão, e deixarão a seus filhos. * * * * * INTRODUCÇÃO. I. Em vos que haveis de ser quinto Depois de morto o segundo, Minhas Profecias fundo C'o estas letras, que aqui pinto. II. Inda o tronco está por vir, Ja vos vejo erguido cedro: Pouco vai de Pedro a Pedro Se a rama o tronco medir. III. Fiz Trovas de ferro, e prata Dignas de qualquer thesouro, Hoje quanto faço he ouro Que em vós, Senhor, se remata IV. Naõ conto çapatarias Que n'outros tempos sonhei, O que agora contarei Saõ mais altas Profecias. V. A giesta naõ se trosse, Muito amarga o sargaço: Tudo quanto agora faço São bocados de herva doce. VI. Faço Trovas muito inteiras Versos mui bem medidos, Que hão de vir a ser cumpridos Lá nas eras derradeiras. VII. Eu componho, mas naõ ponho As letrinhas no papel, Que o devoto Gabriel Vai riscando, quanto eu sonho. * * * * * SONHO PRIMEIRO. VIII. Vejo, mas naõ sei se vejo; O certo he, que me cheira, Que me vem honrar á Beira Um Grande do pe do Tejo. IX. Formas, cabos, e sovelas Lavradinhas com primor Mandareis abrir, Senhor, Muitos folgarão de vê las. X. Mas ai! que ja vejo vir O Presbytero maior Arriscar todo o primor Que outra vez hade surgir. * * * * * SONHO SEGUNDO. XI. Augurai, gentes vindouras Que o Rei que daqui ha de ir, Vos ha de tornar a vir Passadas trinta tizouras. XII. O Pastorzinho na serra Grita que tenhão cuidado, Que se vai perdendo o gado Por mais que gritando berra. XIII. Desamparar o cortiço Uma abelha mestra vejo; As outras com muito pejo Não tem azas pera isso. XIV. Irão tempos de lazeiras Virão tempos de farturas Os frades haverão tristuras Por acudirem as freiras. XV. Este sonho que sonhei He verdade muito certa, Que la da Ilha encuberta Vos hade chegar este Rei. * * * * * SONHO TERCEIRO. XVI. Sonhei, que estava sonhando, Que passados cem Janeiros Os Portuguezes primeiros Se levantarão em bando. XVII. Ergue se a aguia Imperial Com os seus filhos ao rabo, E com as unhas no cabo Faz o ninho em Portugal. XVIII. Põe um A pernas acima, Tira lhe a risca do meio, E por detraz lha arrima, Saberás quem te nomeio. XIX. Tudo tenho na moleira O passado, e o futuro, E quem for homem maduro Ha de me dar fe inteira. XX. Vejo sem abrir os olhos Tanto ao longe como ao pérto; Virá do mundo encuberto Quem mate da aguia os polhos. * * * * * SONHO QUARTO. XXI. Lá pera as partes do Norte Vejo como por peneira Levantar uma poeira Que nos ameaça a morte. XXII. Vosso grande Capitão, Ó povo errado, e perverso, Já caminha com o terço, E vós dormindo no chão? XXIII. Na era que eu nomear Terá fim a heregia; Verás certa a Profecia, Se bem souberes contar. XXIV. Poe[m] tres tizouras abertas, Diante um linhol direito, Contaras seis vezes cinco, E mais um, vai satisfeito. XXV. Muito rijo bate o vento Na parede da Igreja; Alguem cahida a deseja, No levantar vai o tento. XXVI. Mas ai! do calçado a obra Logo requer o salario; Porem naõ ha muita sobra Se naõ dobra o campanario. * * * * * SONHO QUINTO. XXVII. Vejo, vejo, dizer vejo Andar a terra ao redor; E o borborinho com dor Revolve um, e outro sexo. XXVIII. Rugia a porca do sino, O sino naõ badalava, A grimpa se revirava, E o sino andáva a pino. XXIX. Meto a sovela nas viras, E vejo pelo buraco Os ossos de Pedro Jaco No penedo das mentiras. XXX. Que bellamente que soão As Profecias direitas! Depois que forem perfeitas Verão que a terra povoão. XXXI. Doutos, e sandeos conhecem Pelo volver das estrellas Puras verdades mui bellas, Que inda os Judeos naõ merecem. * * * * * SONHO SEXTO. XXXII. Quando o sonho he verdadeiro Dá se uma lei muito clara: Sonho agora, que uma vara Vai dando luz a um outeiro. XXXIII. O outeiro he Portugal, E a vara Castelhana; Da minha pobre choupana. Vejo esta vara Real. XXXIV. Dará fruto em tudo santo, Ninguem ousará a negalo, O choro será regalo E será gostoso o pranto. XXXV. Bem cuido, que ja vem perto O fim destas Profecias; Passarão tresentos dias Depois de eu ser descuberto. XXXVI. Em dous sitios me achareis Por desdita, ou por ventura, Os ossos na sepultura, E a alma nestes papeis. XXXVII. Naõ ha pedra sobre pedra, Quando eu aqui for achado, E as letrinhas do Letrado Ha tresentos annos queda. FIM. --- Provided by LoyalBooks.com ---