O IDEAL MODERNO BIBLIOTHECA POPULAR DE ORIENTAÇÃO SOCIALISTA HABITAÇÕES OPERARIAS DIRECTORES MAGALHÃES LIMA E TEIXEIRA BASTOS COMP.^A N.^AL EDITORA SECÇÃO EDITORIAL ADM. J. GUEDES--LISBOA O IDEAL MODERNO Habitações Operarias POR Teixeira Bastos LISBOA SECÇÃO EDITORIAL DA COMPANHIA NACIONAL EDITORA Administrador--JUSTINO GUEDES 50, Largo do Conde Barão, Lisboa AGENCIAS Porto, Largo dos Loyos, 47, 1.º 38, Rua da Quitanda, Rio de Janeiro 1898 HABITAÇÕES OPERARIAS I A questão social abrange muitos problemas, sendo evidentemente um dos principaes o da habitação. É tal a importancia d'elle, que pertence na actualidade ao numero dos assumptos que chamam mais a attenção, não só dos socialistas, como dos economistas e dos philantropos de todos os centros da civilisação. Não se busca a solução definitiva do problema da habitação, a qual depende, como a de todos os outros problemas sociaes, das transformações por que estão passando as sociedades contemporaneas, em obediencia á lei historica da evolução; o eminente economista belga, Hector Denis, ainda ha poucos mezes, no _Congresso internacional das habitações operarias_, effectuado na Belgica, demonstrou a necessidade, para se attingir o desejado fim, de uma transformação do regimen da propriedade. O que se espera n'este momento, é encontrar os meios praticos de fornecer aos operarios, e em geral ás classes menos favorecidas, melhor habitação do que aquellas em que vivem, isto é, casas economicas e hygienicas. Este problema, que preoccupa ha muito tempo, em todos os paizes, os que se interessam pela questão social, e ainda os que só desejam melhorar o viver dos proletarios, tem sido descurado em Portugal, nomeadamente em Lisboa, o nosso primeiro centro operario. Não ha casas baratas em boas condições hygienicas, casas para gente pobre, habitações para operarios! Duas vezes por anno, invariavelmente, nos mezes de maio e novembro, ouve-se este clamor, sahido de todos os recantos da cidade, échoando na imprensa e extendendo-se uma ou outra vez até o seio da Camara Municipal de Lisboa ou do Parlamento. Passados, porém, os dias 25 de maio e 25 de novembro,--dias em que os inquilinos teem de pagar aos senhorios a renda de uma casa, da qual só começam a gosar 36 dias depois, anticipação esta que vae por vezes até 41 dias, porque muitos senhorios exigem agora a renda no dia 20,--passados esses dias, para os pobres frequentes vezes de tristeza e lagrimas, o clamor que se ouvia distinctamente, esmorece e extingue-se, para reapparecer mezes depois, com a mesma intensidade e, em quantos casos, com augmento de razão. Desconsolador queixume! Com effeito, a gente pobre, o proletariado, não encontra casas salubres, alegres e confortaveis. Percorram-se em Lisboa os bairros onde de preferencia residem os operarios, como, por exemplos a Alfama, esses restos immundos da cidade velha[1], ou a freguezia de Santos-o-Velho, algumas ruas em que se accumula uma parte consideravel da população laboriosa; e o que se vê? Pocilgas infectas e nauseabundas, sem ar, sem luz do dia, nem as mais simples condições de hygiene, exhalando cheiros deleterios, em ruas estreitas, tortuosas, onde, raras vezes, ou por poucos instantes, entra um raio de sol! E vive-se alli? Vive-se e soffre-se! E o que é mais e muito peor, procria-se! Multiplicam-se as gerações na miseria e no vicio, n'essa agglomeração anti-hygienica e immoral, n'essa quasi promiscuidade suja e degradante. E quem se preoccupa entre nós com este estado de cousas, quem tenta remediar o mal, quem emprehende a construcção de casas baratas, espaçosas, expostas á claridade vivificante do sol, com boa aereação, com todas as condições aconselhadas pela hygiene? Os proprietarios, os donos de fabricas, os proprios operarios? Associações de beneficencia, ou sociedades por acções? O municipio ou o Estado? Na realidade, já por diversas vezes a imprensa diaria tem noticiado uma ou outra tentativa sympathica, no sentido de construir habitações baratas e hygienicas para os pobres ou para os operarios; já o municipio tem approvado projectos de edificações economicas; até mesmo no Parlamento se tem discorrido sobre este assumpto de interesse capital para a maioria da população nos centros industriaes De positivo, de pratico, porém, quasi nada se tem feito! II Nos paizes extrangeiros muito se tem feito com o fim de melhorar as habitações operarias, as casas para gente pobre. Bastar-nos-hia citar a Suissa, uma nação pequena e pobre como a nossa. E a Suissa que, no ponto de vista politico, é uma nação modêlo, no ponto de vista da remodelação social está ainda longe de attingir a mesma altura. Apesar d'isso, muito tem realisado. A questão das casas para operarios dispertou alli a attenção publica e a solicitude dos donos de fabricas. Lavollée na sua interessante obra--_Les classes ouvrières en Europe_--publicada em 1882, reuniu elementos curiosissimos. Extrahiremos para aqui alguns. Na Suissa teem sido ensaiados todos os systemas para dar á gente pobre, em particular aos operarios, habitações salubres, espaçosas, que fiquem a poucos passos das officinas e que sejam baratas o mais possivel. Em grande parte teem tirado optimo resultado, apesar das difficuldades que tinham a vencer, das quaes não eram decerto as menos importantes o rigor do clima e a agglomeração anti-hygienica, devida á pequenez das cidades. Muitos operarios e industriaes, graças á industria caracteristica do paiz, a relojoaria, lhes permittir que trabalhem isolados, podem gosar a felicidade de viver em familia e no meio do campo[2]. Habitam _chalets_ de madeira, espaçosos, arejados, bem limpos, expostos ao bom sol e afastados uns dos outros. Rarissimas vezes precisam sahir para ir procurar fora trabalho. Ha excepções, localidades onde os operarios estão como os nossos relativamente a habitações. Schaffhouse, por exemplo, onde os bairros operarios são insalubres[3]. Em Neuchâtel os operarios que teem familia pagam de renda annual 250 a 300 francos por casas más; um quarto custa de 120 a 150 francos[4]. Em Genebra as habitações miseraveis, insalubres, em ruas estreitas e tortuosas, como as da nossa Alfama, arrendam-se ainda por preços muito mais elevados: um quarto não custa menos de 150 francos e um alojamento para uma familia 450 francos[5]. Boehmert[6], em 1872, citava casos de viverem familias n'um só quarto, n'um estado vizinho da promiscuidade. E outros de casas com oito ou nove compartimentos habitadas por tres ou quatro familias, tendo de mais a mais hospedes permanentes! Não era tambem raro encontrar-se um quarto estreito e baixo, onde dormiam seis, sete e mais homens, isto é, o que succede em Lisboa nos _quartos de malta_. Mas na Suissa, onde quer que se denuncie a existencia do mal, todos procuram remedial-o. Assim, o operario encontrou por toda a parte poderosos auxiliares para sahir d'essa situação miseravel. Sociedades de construcção e associações operarias, proprietarios e fabricantes, especuladores e philantropos disputam entre si os melhores systemas de casas boas e baratas para dar á gente pobre. Vê-se ahi, par a par, o typo _mulhousiano_, isto é, de casas independentes e isoladas para uma só familia, a habitação caserna, as casas agrupadas de duas a duas ou de quatro a quatro, mas tendo cada uma entrada separada, os bairros operarios, etc. Estes ultimos multiplicaram-se em alguns cantões, como em Argovia, Zurich, Glaris e Saint-Gall[7]. Entre os mais notaveis podem-se citar, em primeiro logar, os da grande fabrica de machinas de Escher, Wyss & C.^a, em Zurich. Em 1881, fundou-so um em Ziegelbrück, o qual se compõe de dois edificios, podendo fornecer habitação para quarenta familias. Cada familia fica separada das outras por um corredor, e occupa uma sala, dois ou tres quartos, uma cozinha, um subterraneo, uma casa para lenha e um pequeno quintal[8]. Diz Lavollée que todos estes melhoramentos teem sempre em vista a caridade intelligente e o lucro bem entendido[9]. Associações de varios generos promovem essas construcções economicas e teem visto os seus esforços coroados do mais brilhante resultado. A par umas das outras, sem se odiarem, sem se guerrearem, rivalisando pacificamente nas fôrças dispendidas, vemos em alguns centros industriaes fundarem-se, desenvolverem-se e prosperarem sociedades de capitalistas e aggremiações de operarios com o fim exclusivo de construirem casas baratas e bairros salubres para as classes laboriosas e pobres. Na Basiléa, por exemplo, uma das principaes cidades da Suissa, ao lado da _Associação para a construcção de habitações operarias_, fundada em 1870 com o capital de 327:300 francos, e da _Sociedade de utilidade publica_, fundada em 1851 e cujo capital de 100:000 francos foi consagrado á construcção de casas do systema _mulhousiano_, existe a _Sociedade basilense de construcção de casas baratas_ formada só por operarios, entre os quaes predominam os das construcções civis[10]. Esta ultima empresa, estabelecida por dez membros, cujo capital primitivo não passava de 1:000 francos, contava em junho de 1873, 120 associados que tinham elevado o capital a 15:000 fr. por meio de collectas, que variavam de 100 a 1:000 francos. Possue duas classes de socios. Uns compromettem-se a trazer um capital não inferior a 1:000 francos, nem superior a 6:000, e tomam uma parte activa na empresa, consagrando-lhe todo o seu tempo, todas as suas fôrças, e toda a sua intelligencia, em troca de salarios fixos ou de uma percentagem sobre os lucros. Os outros, devendo concorrer com o mesmo capital, uma terça parte do qual é pago no acto da inscripção, e as duas restantes em prestações maiores ou menores, consagram as suas aptidões á administração e á contabilidade da empresa, recebendo honorarios certos, senhas de presença ou uma parte dos lucros determinada pela assembléa. A sociedade conta tambem com associados ou subscriptores de obrigações. É considerado tal o possuidor de uma ou mais obrigações, no valor de 100 francos cada uma. As obrigações rendem 5 por cento e dão direito a 20 por cento dos lucros liquidos[11]. Na Suissa ha muitas associações d'este genero. E, na verdade, as que se compõem unicamente de operarios são as mais interessantes de todas as sociedades constructoras. Em França, na Inglaterra e na Allemanha tambem as ha. Em Darmstadt a associação operaria (_arbeiterverein_) fundou, em 1868, uma sociedade cooperativa de construcção que tem por fim comprar terrenos para edificações e construir casas para operarios nos terrenos que adquirir. Alli, como por toda a parte, as casas são vendidas aos locatarios. O membro da sociedade que occupa a casa, paga 4 por cento do capital dispendido, e uma annuidade, variando entre 5 a 30 por cento, e torna-se proprietario n'um prazo de tempo maior ou menor, desde 3 annos e 4 mezes até 41 annos e um mez[12]. As sociedades de capitalistas são, porém, muito mais numerosas e, em geral, todas prosperam, prestando valioso serviço ás classes trabalhadoras. A _Associação para a construcção de habitações operarias_ que se fundou, em 1870, na Basiléa e á qual já alludimos, tinha o seu capital dividido em acções de cem francos cada uma, e em dezembro d'esse anno inteiramente subscripto. Empresa philantropica, é administrada gratuitamente e os accionistas recebem 4 por cento de juro. Posteriormente emittiu obrigações de 4 e meio por cento no valor de 313:000 francos. Em fins de abril de 1882 o fundo de reserva elevava-se a 180:000 francos[13]. Na cidade de Heilbronn, no Wurtemberg, um dos principaes centros industriaes da Allemanha, uma companhia, constituida principalmente por fabricantes, fundou um bairro operario que se tem desenvolvido pouco a pouco. As acções vencem um juro maximo de 4 por cento, sendo o excedente dos lucros destinado a constituir um fundo de reserva para a construcção de novas casas. Em 1856, edificaram vinte predios, e em 1861 outros vinte.[14] Na Belgica pullulam as companhias constructoras de casas para operarios. Na Antuerpia ha, desde 1867, uma sociedade para a construcção e melhoramento de casas de operarios que tem por fim edificar habitações salubres e baratas, extendendo a área da sua acção ás communas vizinhas. Fundou-se com o capital de 2 milhões de francos, dividido em 4:000 acções de 500 francos cada uma, e realisando logo 350:000 francos. Em 1876 tinha construido 82 casas para uma só familia cada uma, dispersas pela cidade e arrabaldes. O preço de cada casa era, em media, 2:800 a 3:000 francos e a renda, tambem em media, 3,75 francos a 4 francos por semana[15]. Em Bruxellas, a _Immobiliaria bruxellense_ e a _Sociedade anonyma das habitações operarias na agglomeração bruxellense_ rivalisam na construcção de casas para operarios e em geral para gente pobre. Aquella fundou-se, em 1865, com o capital de 5 milhões de francos; esta, em 1868, com egual capital. Em 1871, tinha a primeira realisado 900:100 francos do seu capital, e a segunda 766:500 francos; e construido aquella 36 casas com 16 armazens e 188 habitações, e esta 145 predios, reunidos em quatro grupos[16]. Em Verviers, a _Sociedade vervierense para a construcção de casas para operarios_, constituida, em 1867, com o capital de um milhão de francos, distribue aos accionistas dividendos que oscillam entre 4 e 6 por cento, e tinha construido, em 1871, 37 predios em quatro grupos, comprehendendo 67 habitações, cuja renda variava em 4 e 21 francos por mez[17]. Por estas rapidas notas vê-se que no extrangeiro as sociedades de construcção de casas para operarios teem-se desenvolvido e prosperado. Ao mesmo tempo que é incontestavel o serviço por ellas prestado tanto ás classes trabalhadoras, como em geral ás populações industriaes e á gente pobre, quasi todas teem alcançado uma compensação razoavel, um juro modico e equitativo, para os capitaes empregados. Nem todas as sociedades que se propõem dar ao operariado _habitações economicas_ obedecem sinceramente a inspirações philantropicas. Muitas, em Paris, por exemplo, visam em especial aos interesses dos accionistas, visto que em regra as habitações pequenas offerecem maior rendimento do que os predios grandes e luxuosos. Jules Simon, negando que essas sociedades cumprissem realmente o seu programma, dizia dos proprietarios: "Bemfeitores, se assim quizerem, mas bemfeitores que teem interesse em o ser"[18]. A acção official em alguns paizes tambem tem sido importante. No Wurtemberg, por exemplo, o proprio Estado fez-se constructor, edificando para as familias dos empregados dos correios e dos caminhos de ferro 36 predios com habitações para 200 inquilinos[19]. Mais notavel, porém, é a intervenção do Conselho do condado de Londres, demolindo as casas insalubres que os operarios habitavam n'um dos bairros da grande cidade, e construindo no mesmo local novas casas, confortaveis e hygienicas. Referindo-se a este melhoramento, declarou o delegado do Conselho do condado de Londres no _Congresso internacional das habitações operarias_, que as construcções feitas pelo Conselho e destinadas aos operarios são casas municipaes. "Desde 1892, construiram-se 47 casas. Comprehendiam 1:639 divisões e serviam de residencia a 7:038 pessoas. A despesa total subiu a mais de dez miihões. Actualmente, (1897) está em reconstrucção o bairro insalubre de Boundary street, que foi demolido por ordem da municipalidade. O antigo bairro continha 730 predios habitados por 15:719 pessoas. As novas casas serão todas construidas em conformidade com os preceitos da hygiene. No centro do bairro será formado um parque. "O preço total da reconstrucção, e os juros dos emprestimos, a pagar no decurso de 60 annos, está avaliado em, 8.290:250 francos. O preço medio do aluguer, por semana, é de 3,14 francos. "Em 60 annos, o condado de Londres terá a plena propriedade de todas as casas, livres de todas as dividas"[20]. O Conselho municipal de Londres inaugurou em 28 de janeiro de 1893 um grande estabelecimento social para fazer concorrencia á exploração particular das casas mobiladas, de ordinario infectas e repugnantes. Esse edificio foi construido no bairro de Drary Lane e convenientemente mobilado e é bastante espaçoso para accommodar 375 homens. Os locatarios encontram ahi asseio, confôrto, condições hygienicas, calor e luz. Teem além d'isso em commum uma grande sala de recreio e musica, uma bibliotheca de 1:000 volumes, um vasto refeitorio, uma cozinha para os locatarios prepararem os seus alimentos, uma sala de desinfecção para as roupas, um lavadoiro, um gabinete para enxugar a roupa lavada, uma casa de costura, duas salas de banhos, etc. O preço de todas estas commodidades é approximadamente de cem réis por dia. Na Suissa, a cidade de Zurich deliberou, ha cêrca de um anno, fornecer alojamento aos operarios occupados nos trabalhos communaes, 600 chefes de familia e 300 celibatarios. Para construir casas destinadas a uma ou duas familias operarias, adquiriu por 940:000 francos um terreno nas vizinhanças da cidade, medindo 22 hectares. E para facilitar aos habitantes da nova povoação rapidas e economicas communicações, combinou com as companhias de caminhos de ferro a organisação de comboios de operarios. Adquiriu tambem no interior da cidade um certo numero de casas para residencia dos operarios celibatarios[21]. O governo do cantão de Basiléa, desejando tambem construir casas para os seus empregados e operarios, fez edificar, a titulo de ensaio, quatro predios de dois andares, sendo dois de um typo e dois de outro; um para tres familias, dispondo cada uma de tres quartos, uma cozinha, um subterraneo e uma mansarda; outro tambem para tres familias, tendo cada uma dois quartos, uma cozinha, um subterraneo e uma mansarda. Além d'isso, cada familia dispõe de um jardim, e cada um dos predios tem lavadoiro commum, comprehendendo duas salas[22]. Na Italia, o Conselho communal de Veneza deliberou construir casas para o operariado, e contrahiu um emprestimo de 500:000 francos para a realisação d'essa idéa[23]. Emfim, citemos ainda a deliberação tomada em 1894 pelo Conselho communal de Vienna de Austria, para combater a lamentavel situação dos operarios--90:000 individuos pelo menos accumulados em casas insalubres e estreitissimas. O doutor Friedjung, conselheiro municipal, tomou a iniciativa da seguinte proposta, que foi approvada pelos seus collegas: "1.º Crear um fundo especial com o producto da venda dos terrenos dos baluartes ou pelo menos com a metade d'elle; 2.º Empregar este capital na construcção, na peripheria da cidade, de pequenas casas economicas e especialmente de casas operarias que, em virtude da lei de 9 de fevereiro de 1892, serão isentas de contribuições e cujos alugueres serão determinados de forma que o capital não aufira um juro superior a 2 1/2 por cento; 3.º Estas casas serão alugadas em primeiro logar aos empregados menores da cidade e aos operarios que trabalham em serviço d'ella; em seguida poder-se-ha alargar o circulo dos locatarios; 4.º Os juros vencidos pelo capital serão consignados á construcção de outras casas com o mesmo destino"[24]. III O Governo e as camaras municipaes, mas principalmente estas deveriam, quando não tomassem a iniciativa, pelo menos auxiliar, tanto quanto possivel, todas as tentativas, qualquer que fosse a sua origem, para melhorar a sorte dos operarios e em geral da gente pobre, construindo para elles habitações economicas e hygienicas. A acção do Estado e dos municipios pode ajudar efficazmente os esforços dos individuos ou das collectividades por meio de incentivos creados para o desenvolvimento da construcção d'essas casas. Em toda a parte, nos Estados Unidos da America, na Inglaterra, na Allemanha, em França, na Belgica a protecção governamental ou communal tem vindo mais ou menos directamente em auxilio das tentativas dos individuos ou das associações. Diz o sr. Adães Bermudes no seu interessante livro que tem por titulo _Projecto para a organisação d'uma sociedade promotora de habitações economicas destinadas ás classes laboriosas e menos abastadas_: "Nos outros paizes, camaras e governos interveem pecuniaria, legislativa e moralmente na questão das habitações proletarias,--estabelecendo subsidios, auctorisando os estabelecimentos officiaes de crédito a fazer emprestimos com juro reduzido, concedendo garantias de juros ás sociedades constructoras, isentando do imposto os materiaes de construcção, isentando de direitos de registo a transmissão da pequena propriedade ou permittindo o seu pagamento em annuidades, isentando-a da contribuição predial, de rendas de casas e sumptuaria, garantindo, sem complicações onerosas, os direitos dos senhorios contra os abusos dos locatarios, e os direitos d'estes contra as exigencias desrazoaveis d'aquelles, expropriando os bairros insalubres, promulgando medidas repressivas contra as habitações doentias, constituindo para os pequenos empregados publicos alojamentos modelos, multiplicando os cursos populares de hygiene, abrindo concursos para a apresentação de projectos de habitações economicas, concedendo terrenos, participando nas despesas das vias de communicação, illuminação, encannamentos, etc., etc."[25]. Em Portugal, os poderes constituidos quasi nada teem feito para melhorar as habitações operarias. Toda a legislação destinada a fomentar a construcção das casas economicas reduz-se verdadeiramente á isenção, por um certo numero de annos, da contribuição predial, concedida aos predios urbanos que se edifiquem em Lisboa e Porto para serem arrendados por menos de 50$000 réis ou que forem divididos em andares ou quartos separados, sendo cada alojamento alugado a diverso inquilino, tambem por menos d'aquella quantia. A lei de 17 de maio de 1880 sobre a contribuição predial e o respectivo regulamento, de 25 de agosto de 1881, fixou o prazo de cinco annos para o gôso da isenção a contar do primeiro em que os predios estiverem nas circumstancias de serem habitados. Em 1888, pela lei de 2 de agosto, foi esse prazo elevado ao dôbro, isto é, a dez annos. O fito d'esta isenção foi necessariamente incitar os capitalistas a desenvolverem a construcção de habitações economicas destinadas ao proletariado e em geral ás classes menos abastadas. O resultado obtido foi infelizmente quasi nullo. Os capitalistas que não quizeram continuar a ter os seus cabedaes empregados em papeis do Estado ou de companhias que dão juros certos ou divividendos convidativos, preferiram immobilisal-os em predios de luxo e em casas enormes para rendas superiores a 200$000 e 300$000 réis annuaes, correndo o risco de as conservarem deshabitadas, a construirem habitações economicas para pequenas rendas, proprias para servirem de abrigo a familias pobres ou apenas remediadas. Essa aberração do senso economico teve as suas naturaes consequencias, logo que se declarou a crise financeira em Portugal e que peorou apreciavelmente o cambio do Brasil sobre Londres. O regresso de muitas familias brazileiras que residiam em Lisboa, ao seu paiz natal, e a diminuição dos rendimentos, ou a quebra dos recursos que feriram entre nós numerosas familias, em virtude d'aquelle acontecimento, fez com que ficassem com escriptos, sobretudo nos arredores da Avenida da Liberdade, predios inteiros, de alto a baixo. E emquanto isto succedia, notava-se a falta de casas para rendas inferiores a 250$000 réis annuaes. O que a isenção, primeiro por cinco e depois por dez annos, da contribuição predial não conseguiu realisar, poder-se-hia ter obtido por outras providencias legislativas? Talvez; mas outros projectos de lei apresentados ao Parlamento, tendo em vista o mesmo fim, nunca foram approvados. Na sessão de 15 de janeiro de 1883, o governo regenerador então no poder submetteu á Camara dos deputados uma proposta de lei assignada por Fontes Pereira de Mello e pelo sr. Hintze Ribeiro, e destinada a promover a construcção de casas baratas e hygienicas. A proposta era do teor seguinte: "Art. 1.º É o Governo auctorisado a conceder á empresa que em Lisboa se organizar para a construcção de casas destinadas á habitação das classes laboriosas e menos abastadas, mediante o pagamento de rendas não superiores a 50$000 réis por anno: 1.º Isenção de contribuição predial por espaço de vinte annos; 2.º Isenção de contribuição de registo quanto aos terrenos para esse fim adquiridos; 3.º A facilidade de escolher nas mattas nacionaes as madeiras que lhe convierem, e que, sem prejuizo para o Estado, puderem ser cortadas, pagando-as pelos preços regulares do mercado. § 1.º Os projectos das edificações serão submettidos á approvação do Governo, devendo satisfazer ás necessarias condições de perspectiva, solidez, capacidade e hygiene; o Governo fiscalisará os trabalhos de construcção, afim de que essas condições sejam devidamente attendidas. § 2.º Os estatutos da empresa que se organisar nos termos d'esta lei, serão egualmente submettidos á approvação do Governo, sem embargo do que dispõe a lei de 22 de junho de 1867. Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario, etc." Esta proposta, que morreu nas pastas das commissões de obras publicas, fazenda e saude publica, ás quaes foi enviada pela Camara dos deputados, era justificada no relatorio preambular do seguinte modo: "Um dos emprehendimentos que muito convém animar, é sem duvida o da construcção de casas especialmente destinadas á habitação das classes laboriosas e mais desprovidas de meios pecuniarios. "Nos centros de larga actividade onde maiores são as desproporções da riqueza individual, e onde a par dos grandes capitaes, subsiste a privação e a miseria, procurar suavisar a sorte dos que luctam e trabalham para viver, é pensamento que não deve desamparar os que legislam e governam. "É precisamente nas cidades mais populosas que as condições de subsistencia se tornam por vezes em extremo difficeis para muitos dos que aliás, com valioso concurso dos seus aturados esforços, efficazmente contribuem para a realisação das mais avantajadas conquistas do progresso. "E não raro acontece que, os que, por necessidade sua, mais efficazmente se entregam a uma labutação penosa, teem de procurar agasalho em circumstancias taes, que, pela sua nociva influencia, concorrem para lhes depreciar os unicos capitaes que possuem: a saude e a energia. "Para todos esses, facultar habitações apropriadas aos fracos recursos de que podem dispôr e accommodadas ás instantes reclamações da hygiene, é resolver e um dos seus elementos fundamentaes--a ardua questão da existencia da sociedade." A falta de sinceridade dos ministros, quando assim se exprimiam, justificando a proposta, revela-se á evidencia no facto de que, não tendo chegado a entrar em discussão n'aquella legislatura, não tornou ella a ser renovada nem foi substituida por outra de iniciativa ministerial, apesar dos signatarios do projecto terem estado posteriormente no poder por largos periodos. Sempre a legislação a favor do proletariado tem sido em Portugal simplesmente uma arma politica, utilisada para enfraquecer o movimento revolucionario. De mais amplas vistas do que a proposta de lei de Fontes e do sr. Hintze, era o projecto apresentado em sessão de 17 de maio de 1884 á Camara dos deputados pelo sr. Augusto Fuschini; mas que tambem não teve seguimento, perdendo-se na pasta da commissão de obras publicas, á qual foi enviado. Os beneficios propostos pelo illustre deputado para serem concedidos pelo Estado não se destinavam a uma só empresa, mas a todas que se organizassem para a construcção de habitações economicas para as classes laboriosas e menos abastadas, "mediante o pagamento de rendas não superiores em Lisboa e Porto a 40$000 réis por anno e nos restantes centros do paiz a 25$000 réis por anno." As vantagens a conceder seriam: 1.º Isenção de contribuição predial por espaço de vinte annos; 2.º Isenção de contribuição de registo quanto aos terrenos para esse fim adquiridos; 3.º A faculdade de escolherem nas mattas nacionaes as madeiras que lhes convierem e que sem prejuizo para o Estado podem ser cortadas. Estas concessões são as mesmas da proposta ministerial, mas o pagamento das madeiras em vez de ser pelos preços reguladores do mercado seria "por um preço de montagem inferior a 25% do fixado pela ultima praça." Haveria rateio entre os pedidos feitos pelas empresas se o volume total das madeiras requisitadas em cada anno excedesse o que poderia ser fornecido pelo Estado. E o Governo reservar-se-hia a faculdade de fiscalizar o emprego das madeiras. As empresas teriam ainda direito a receber das camaras municipaes o reembolso de metade do custo effectivo dos terrenos que fôssem applicados para abertura de ruas, praças e outros logradouros communs e publicos. Mas as empresas que se constituissem, assim como teriam vantagens, teriam egualmente obrigações. Eram estas as seguintes: 1.º Alugar as casas, ou divisões, durante vinte annos, por uma renda nunca superior a 8% do seu custo effectivo, incluindo o valor do terreno; 2.º Transmittir aos inquilinos a posse da casa ou divisão habitada por elles, mediante annuidades pelo menos de 8%, accumuladas n'uma caixa, pelo seu custo effectivo, comprehendendo o valor do terreno e um premio de construcção nunca superior a 10% do preço do mesmo terreno; as empresas estabeleceriam para isso tabellas de amortisação por trimestre para os periodos de quatorze, dezoito e vinte e dois annos; na hypothese de morte ou impossibilidade physica do inquilino e no caso da familia, ou legitimo herdeiro, não poder sustentar o contracto, ser-lhe-hiam entregues as prestações pagas, accumuladas em metade da taxa e nos mesmos periodos por que a empresa tivesse contractado a venda; 3.º Crear caixas economicas para deposito de quaesquer quantias, desde o minimo de 50 réis, com juros contados dia a dia n'uma taxa nunca inferior a 4%; e capitalisação trimestral; 4.º Permittir o pagamento anticipado das rendas por mez, trimestre ou semestre; 5.º Não consentir a sublocação das casas ou divisões, sob pena de immediata rescisão dos contractos de aluguer. As casas vendidas aos inquilinos nas condições indicadas no n.º 2, gosariam da isenção do imposto predial por mais cinco annos, isto é, o periodo da isenção seria elevado de vinte a vinte e cinco annos. Ficaria, porém, sem effeito esta concessão e a empresa obrigada a reembolsar o Estado das sommas correspondentes da contribuibuição predial além dos vinte annos, se o contracto da venda fosse annullado ou rescindido. Aos inquilinos que n'essas condições se tornassem proprietarios, concederia o Governo, desde que se provasse a acquisição, 50% do imposto sobre rendas de casas, que houvessem pago, capitalisadas as sommas annuaes na taxa de 5% e isenção do imposto de registo. As empresas perderiam todas as concessões e indemnisariam o Estado quando vendessem as habitações por forma differente da indicada ou a outra pessoa que não fôsse o inquilino. Os projectos das edificações e planos dos bairros seriam submettidos á approvação do Governo e deveriam satisfazer ás condições de boa exposição, salubridade, perspectiva, solidez, capacidade e hygiene. O Governo fiscalisaria tambem os trabalhos de construcção e approvaria os contractos de venda e as tabellas de fixação de rendas e amortisação. A auctorisação dada ao Governo para fazer as concessões mencionadas, só estaria em vigor por espaço de tres annos a contar da promulgação da lei. O projecto do sr. Augusto Fuschini, como dissemos, não teve melhor sorte do que a proposta de lei de 15 de janeiro de 1883. IV Se os poderes constituidos nunca mais se preoccuparam com a falta de habitações hygienicas e baratas para o proletariado e em geral para a gente pobre, não é porque desde então cessassem as reclamações populares; antes com insistencia se torna écho d'ellas a imprensa quotidiana, especialmente a democratica. De mais largo fôlego são, porém, dois estudos sobre o assumpto, publicados o primeiro em 1891 e o segundo em 1897, e já por nós citados n'estas paginas. São a _Habitação do operario e classes menos abastadas_, pelo sr. Guilherme Augusto de Santa Rita, e o _Projecto para a organisação d'uma Sociedade promotora de habitações economicas destinadas ás classes laboriosas e menos abastadas_, pelo sr. A. R. Adães Bermudes. O pensamento do sr. Guilherme de Santa Rita acha-se formulado n'um projecto de lei com que fechou o seu opusculo. O Governo seria auctorisado a fazer certas concessões a uma sociedade anonyma de responsabilidade limitada que se organisasse expressa e exclusivamente para edificar casas de rendas até o limite maximo de 50$000 réis por anno nos concelhos de Lisboa e Porto, e 25$000 réis em todos os outros. Passados quatro annos, se na pratica tivessem dado bom resultado, poder-se-hiam extender os beneficios da lei a outras companhias que se constituissem para o mesmo fim. As vantagens offerecidas eram: 1.º Garantia do complemento do juro de 6% sobre cada prestação desembolsada do capital de mil contos de réis, que seria o fixado para a sociedade; 2.º Um terço da superficie dos terrenos das cêrcas dos conventos existentes em Lisboa, Porto e outras terras, os quaes pelo fallecimento da ultima freira estivessem ou viessem a estar desoccupados; 3.º Isenção de contribuição de registo pela compra de todos os terrenos, ou predios rusticos, nos concelhos de Lisboa e Porto que pela sua proximidade dos centros fabris se prestassem a construcções economicas, os quaes poderiam ser expropriados por utilidade publica; 4.º Isenção, durante dez annos, de impostos sobre os materiaes empregados nas construcções; 5.º Isenção da contribuição predial, por espaço de dez annos, para os predios construidos pela sociedade; 6.º Isenção da mesma contribuição para os predios que fossem vendidos pela Sociedade ao primitivo inquilino, pelo espaço de tantos annos quantos lhe fossem marcados pela tabella das amortisações por que essa venda se effectuasse; 7.º Isenção de contribuição de renda de casa aos primitivos inquilinos que pontual e integralmente pagassem a renda e a amortisação e por tanto tempo quanto pela referida amortisação lhes fosse marcado; 8.º Isenção de contribuição de registo ao primitivo inquilino que por meio de amortisações se tornou proprietario da casa que habita. As sociedades constructoras ficariam obrigadas: 1.º A alugar as casas ou divisões por uma renda nunca superior a 8% sobre o seu custo effectivo incluindo valor do terreno, conservação, seguros e administração; 2.º A embolsar o Estado das importancias despendidas em complementos de juro, deduzindo-as do dividendo quando este fôr superior a 6%; 3.º A construir á beira das ruas, pelo menos até em dois terços de superficie, predios de um só pavimento, com jardim de 6 metros, e isolados uns dos outros pelo menos 1^m,20; no terço restante, casas agrupadas com egual porção de metros para jardins, predios de mais de um andar, etc.; 4.º A ter ao seu serviço um determinado numero de medicos como inspectores das condições hygienicas das casas e da situação do terreno a ellas destinado; 5.º A permittir que os inquilinos pudessem, por meio de annuidades accumuladas n'uma taxa nunca inferior a 6%, tornar-se proprietarios das casas, ou divisões, que habitarem pelo seu custo effectivo, comprehendendo valor do terreno, conservação, seguro e administração, e augmentado com um premio nunca inferior a 8% sobre o custo da construcção e valor do terreno, ou nunca superior a 7 1/2%, não tendo sido o terreno comprado; 6.º A estabelecer para esse effeito tabellas de amortisação por trimestre para os periodos de quatorze, dezoito e vinte e dois annos; 7.º A permittir o pagamento anticipado das rendas por semana, mez, trimestre e semestre; 8.º A arrendar as casas, logo depois de construidas, por ordem da inscripção dos pretendentes, publicando essa ordem em dois dos jornaes mais lidos da capital; 9.º A permitir que o individuo que se quizesse tornar proprietario da casa que se estivesse construindo, apresentasse uma planta das divisões, devendo conformar-se tanto quanto possivel com ella o engenheiro da sociedade constructora; 10.º A consentir que o interessado ou seu representante fiscalisasse a construcção; 11.º A não permittir a sublocação das casas ou divisões, sob pena de rescisão do contracto; 12.º A fazer em cada grupo ou bairro composto de 500 predios e n'um d'elles de mais de um pavimento, lojas destinadas a cooperativas de consumo de generos alimenticios e artigos de vestuario; e a reservar os primeiros andares do referido predio para o estabelecimento de uma caixa economica e associação de soccorro mútuo; 13.º A crear caixas economicas para deposito de quaesquer quantias desde o minimo de 50 réis com juros contados dia a dia n'uma taxa nunca inferior a 4 por % e capitalisação semestral; 14.º A não effectuar vendas dos terrenos cedidos pelo Estado, ou adquiridos por meio de expropriação por utilidade publica. São estas as principaes clausulas do projecto de lei formulado pelo sr. Guilherme de Santa Rita. O plano do illustre architecto sr. Adães Bermudes differe essencialmente do precedente, como dos projectos apresentados ao Parlamento, porque dispensa a coadjuvação do Estado. Propõe a formação de uma sociedade anonyma de responsabilidade limitada com o capital social de réis 100:000$000 dividido em mil acções de 100$000 réis cada uma, mas podendo ser augmentada por uma ou mais vezes pela creação de novas acções e unicamente por deliberação da assembléa geral dos accionistas. Essa sociedade, cuja duração seria de 30 annos, teria por fim "auxiliar os operarios e empregados, e em geral as classes pouco abastadas, creando habitações sadias, confortaveis e convenientemente construidas, que lhes serão alugadas ou vendidas por preços modicos, com faculdade de pagamento em prestações." As operações da sociedade comprehenderiam a compra de terrenos e a sua valorisação pela edificação de casas economicas; o aluguer puro e simples, ou com promessa de venda d'estas casas; a venda firme ou condicional, a prompto pagamento, ou a prazo, dos terrenos e casas de que fosse proprietaria; e o resgate dos immoveis vendidos por troca, ou a dinheiro. O sr. Adães Bermudes juntou ao projecto de estatutos um caderno de encargos para os locatarios e o plano financeiro da sociedade. Eis as principaes clausulas do caderno de encargos. A partir do dia em que o locatario tomar posse da casa, começa a contar-se o vencimento do aluguer e, nos casos de compra, a contar-se o juro de 5% sobre o valor da casa e do terreno annexo. As habitações e jardins são alugados simplesmente ou com faculdade de compra por meio de amortisações, não podendo todavia o comprador valer-se da promessa da venda senão depois do pagamento integral do preço da propriedade. A sociedade alugaria e venderia as suas casas a pessoas honestas e sérias, dando a preferencia nos grupos construidos para uma corporação determinada de operarios ou empregados aos membros da mesma corporação. Cada grupo teria um ou mais typos de casas com jardim. As mensalidades, pagas adeantadamente, comprehenderiam só a importancia do aluguer, nunca excedendo 8% ao anno do custo effectivo da propriedade, ou essa importancia e as amortisações, calculadas estas de maneira que, accumuladas na taxa de 5% durante 15 ou 20 annos, dêem ao locatario a propriedade pelo reembolso do seu custo á sociedade. Por falta de pagamento, nas épochas marcadas, das sommas devidas pelo locatario, o arrendamento poderia ser rescindido um mez depois do vencimento a que faltasse; mas em caso de doença, ou de força maior, a sociedade poderia conceder maiores prazos de pagamento. No caso da morte do chefe de familia a sociedade prestaria todas as ajudas para que os seus herdeiros o pudessem substituir; e com esse fim procuraria facilitar aos seus locatarios o seguro de vida. A sociedade teria egualmente o direito de rescindir o contracto quando o procedimento do locatario, ou d'aquelles pelos quaes elle fôr responsavel, se tornasse notoriamente escandaloso porque elle deixaria então de satisfazer a uma das condições principaes que o fizeram admittir pela sociedade. Tanto nas casas alugadas como nas vendidas, não seria admittido o estabelecimento de tabernas, tabolagens ou profissões insalubres e incommodativas. A sociedade empregaria os mais dedicados esforços para obter dos poderes publicos em proveito dos locatarios a isenção das contribuições predial e de renda de casa, e ainda a do registo para os que se tornassem proprietarios das habitações; estudaria, de commum accôrdo com os locatarios, o melhor meio de crear estabelecimentos de utilidade publica, taes como: mercearias, adegas, padarias, por meio de cooperativas; e emfim solicitaria do Governo e da municipalidade a creação de outros, taes como eschola, gymnasio, lavadoiros hospital, etc., para assegurar o bem-estar, a saude e o desenvolvimento moral, physico, e intellectual das classes laboriosas e menos abastadas. Conforme o plano traçado pelo sr. Adães Bermudes, haveria no bairro operario fundado pela sociedade, habitações economicas independentes, collectivas e especiaes. As primeiras, constando de predios para um ou mais moradores, teriam entre 2 e 9 divisões em cada morada e o preço do aluguer por mez entre 1$900 réis e 4$870 réis e de compra, ou amortisação mensal, entre 1$425 réis e 3$650 réis. O aluguer nos segundos seria de 1$375 réis por mez. Nos terceiros, tendo cada um 6 ou 7 divisões, o preço da renda mensal seria de 6$000, 6$135 e 20$000 réis e amortisação correspondente 4$500, 4$600 e 15$000 réis. As habitações economicas collectivas comprehenderiam dois vastos edificios de tres pavimentos, com 32 quartos independentes em cada edificio e destinados a alojar nas melhores condições de hygiene, moral, independencia e economia, operarios celibatários de ambos os sexos. No bairro haveria dois edificios destinados a estabelecimentos de utilidade publica, que seriam: cooperativa de alimentação; cooperativa de vestuario e de mobiliario; adega economica; cozinha e restaurant economico; escholas, creche, officinas de apprendizagem e gymnasio; hospital, maternidade, posto vaccinico e posto de desinfecção; banhos e lavadouros publicos; egreja; theatro-club, bibliotheca, cooperativa de producção e bazar de vendas; estação de policia e de incendios e caixa economica; administração geral do bairro, estação postal e vaccaria. É, como se vê por estas rapidas notas, um plano grandioso, o que concebeu o illustre architecto. Infelizmente nem o opusculo a que nos temos referido, nem as conferencias publicas realisadas pelo sr. Adães Bermudes sobre habitações economicas produziram o desejado effeito prático. A commissão organisadora das festas commemorativas do quarto centenario do descobrimento do caminho maritimo da India, comprehendendo a necessidade de fomentar a construcção de casas para o operariado, incluiu na série de concursos, que resolveu abrir no anno do centenario, um para projectos de habitações economicas. É mais um incentivo puramente theorico, mas todavia digno de menção. V Para os operarios, particularmente, alguma cousa tem feito a acção industrial. O sr. Guilherme Santa Rita, no seu opusculo _Habitações do operario e classes menos abastadas_, mencionava com louvor as tentativas de várias companhias que construiram habitações para os seus operarios. A _Companhia de Fiação e Tecidos Lisbonense_, em Alcantara, iniciou em 1873 a construcção de habitações economicas com esse destino. Dez annos depois albergava 49 familias de operarios. Construiu posteriormente dois predios na rua de S. Joaquim, a Santo Amaro, que abrangem uma área de 1.239 metros quadrados. Os predios teem rez-do-chão e dois andares e dão residencia a dezoito familias. Cada habitação consta de quatro a oito compartimentos mais ou menos espaçosos. As rendas regulam entre 3$000 e 5$500 réis por mez. A _Companhia Lisbonense de Estamparia e Tinturaria de Algodões_ possuia em 1891, quando veiu á luz o livro do sr. Santa Rita, doze predios compostos de tres pavimentos com seis inquilinos cada um, os quaes pagavam de renda mensal entre 400 réis e 5$000 réis. A _Companhia do Fabrico de Algodões de Xabregas_ tambem construiu dois grupos de habitações, formando um bairro operario denominado _Villa Flamiano_. Cada grupo de casas consta de lojas e primeiros andares, dando um dos grupos habitações a quarenta inquilinos e o outro a trinta e dois. As rendas mensaes eram, em 1891, de 3$000 réis para as casas com quatro compartimentos, 1$500 para as de tres e 1$200 para as de dois. A _Companhia do Fabrico de Algodões de Xabregas_ fornece agua em abundancia aos inquilinos, tanto para os gastos domesticos como para a lavagem de roupas. Representa isto uma vantagem capital sobre o ponto de vista hygienico. Em 1890, por occasião de uma epidemia de variola, um redactor do _Seculo_ andou visitando as casas onde havia variolosos e descreveu com sombrias tintas os repugnantes quadros de miseria que encontrou. A immundicie convertera em antros pestilentos algumas habitações novas e hygienicas, por exemplo, em Alcantara. Se a falta de asseio, se a ausencia completa de limpeza, se pode attribuir em grande parte ao desmazelo e ao relaxamento, provenientes da carencia de educação, tambem por outro lado é uma consequencia da carestia da agua, carestia tanto mais apreciavel, quanto mais precárias são as condições economicas do operariado. As familias operarias, e em geral as das classes pobres, consomem pouca agua. Raras são em Lisboa as que se utilisam do fornecimento feito pela _Companhia das Aguas_, porque o preço da agua é carissimo. O preço de duzentos réis por cada metro cubico de agua é, na realidade, exorbitante. Se a agua, posta em casa, não pode ser gratuita, como é o ar e a luz do sol, em virtude das despesas com a canalisação para o seu transporte do manancial distante, deveria ser fornecida por um preço minimo, de maneira que todos a pudessem gastar em abundancia. Mas a _Companhia das Aguas_ fornece-a por um preço exorbitante, e exige ainda mais a cada um dos consumidores o aluguer de um contador. É uma despesa excessiva para as classes menos abastadas. Recorrem ellas, por isso, ao chafariz publico, ou a algum poço de agua potavel; mas se ahi encontram a agua gratuita, teem de dispender tempo e forças na conducção d'ella para as habitações. O consumo da agua feito pela gente pobre e pelo operariado é, portanto, muito diminuto; e todavia convem não esquecer, como dizia Lavoisier, que da agua _dependem a fôrça e a saude dos cidadãos_. Ora se as casas não prestam, a carestia da agua ainda as torna peores. E assim o operariado, na sua maxima parte, continua a viver em casas velhas e infectas, n'uma accumulação insalubre e immoral. A iniciativa particular, á parte o pouco que algumas companhias teem feito em beneficio dos seus operarios, raras vezes tem diligenciado, no nosso paiz, e nomeadamente na capital, melhorar as condições de habitação das classes pobres e em especial do proletariado. Nem a philantropia nem a especulação teem estimulado sufficientemente a iniciativa particular. A benemerita tentativa da _Companhia Commercial Constructora_ é talvez o principal producto da iniciativa particular no nosso meio. A _Companhia Commercial Constructora_ é uma sociedade anonyma de responsabilidade limitada, cujos estatutos foram discutidos e approvados em assembléa geral de 4 de janeiro de 1890. Formou-se com o capital de 100.000$000 réis, dividido em 1:000 acções de 100$000 réis cada uma, sendo a emissão coberta em tres ou quatro dias e não apparecendo papel no mercado. A companhia adquiriu uns terrenos que da calçada dos Barbadinhos, por onde teem entrada, se extendem para S.O. Ahi pretendia edificar um grande bairro operario. Como inicio de trabalho submetteu logo á approvação da camara municipal de Lisboa um projecto para a abertura de seis ruas. O pensamento da empresa--segundo informações que nos foram obsequiosamente prestadas por um dos fundadores--era construir casas espaçosas e confortaveis, com muito ar e muita luz, predios de rez-do-chão e um ou dois andares, com as trazeiras sobre pateos vastos e soalheiros, habitações destinadas para residencia de familias de operarios. N'essas casas haveria desde o quarto para homem só até a habitação de 5 e 6 compartimentos. Projectava tambem construir um predio especial para operarios que vivessem isolados, o qual teria um extenso corredor ao centro com quartos de um e do outro lado e uma cozinha commum, mas com tantas fornalhas quantos fossem os inquilinos, onde cada um poderia ir aquecer o seu café ou cozinhar os seus parcos alimentos. A crise financeira e economica veiu infelizmente impedir que a companhia realisasse á risca o seu vasto plano. Tem no emtanto construidos com frente para as ruas Affonso Domingos e Machado de Castro 44 predios, comprehendendo habitações para mais de 200 inquilinos e lojas apropriadas para alguns estabelecimentos. As habitações teem de 3 a 6 compartimentos e andam sempre alugadas, sendo a renda de cada uma de 2$500 réis para cima. Faculta a companhia o pagamento ás semanas e aos semestres, sondo no primeiro caso a renda semanal a quarta parte da mensalidade e considerando como compensação annual a differença correspondente a quatro semanas, e abatendo no segundo caso 5 por cento sobre o total das seis mensalidades. As casas possuem as necessarias condições hygienicas e são tão confortaveis e attrahentes que teem sido procuradas, não exclusivamente por operarios, mas tambem por pessoas de outras classes, como officiaes do exercito e da armada, funccionarios publicos, etc. A maioria, porém, dos moradores é composta de operarios da Fabrica de Tabacos. O bairro operario, que tem apenas communicação com a calçada dos Barbadinhos, carece de ter sahida tambem para a travessa do Matto Grosso, tanto para commodidade dos habitantes, como por causa dos exgôttos, que por ora se ligam com a canalisação geral da cidade, de modo insufficiente e só por favor, por intermedio do encanamento particular de um predio vizinho. A companhia comprometteu-se por contracto com a camara municipal a pagar o preço da avaliação do terreno a expropriar para a communicação da rua Affonso Domingos com a travessa do Matto Grosso, mas altas influencias burocráticas de que dispõe o proprietario do terreno teem levantado obstaculos no ministerio do Reino á approvação d'essa obra de utilidade municipal. A _Companhia Commercial Constructora_ tem diligenciado contribuir para o melhoramento material e moral e para as commodidades da população do bairro operario. O primeiro cuidado d'ella foi facilitar a instrucção elementar aos filhos e ás filhas dos operarios. Promoveu por isso a abertura de aulas, chegando a haver tres escholas primarias no interior do bairro, das quaes uma tomou bem depressa um tal desenvolvimento que o professor, por falta de casa com a área correspondente á frequencia dos alumnos, se viu obrigado a ir estabelecer-se fora do bairro operario. A companhia ambicionava, porém, mais do que a eschola primaria; pensava em crear um asylo para educação de creanças por meio de subscripção; a crise aberta em março de 1891 fel a, porém, desistir, ou antes modificar a idéa primitiva; e então trabalhou para que a _Sociedade protectora dos asylos da infancia_ fundasse nos terrenos do bairro operario a nova casa do asylo votada para ser estabelecida na freguezia de Santa Engracia, e viu os seus esforços coroados do mais completo exito. A casa do asylo foi com effeito edificada em terreno do bairro operario e dá hoje educação e alimento uma vez por dia a cerca de 200 creanças, em grande parte pertencentes a familias que residem no bairro. A companhia promoveu ainda a abertura de uma pharmacia e a creação de um monte-pio para os habitantes do bairro operario, mas foi infeliz n'essas tentativas, como egualmente o foi n'um talho e n'uma sapataria, mas unicamente por negligencia e desmazêlo dos donos dos estabelecimentos, ou das pessoas collocadas á frente d'elles. Outro tanto não succedeu com um armazem de generos alimenticios, com uma carvoaria e com uma loja de barbeiro, estabelecidas tambem por iniciativa da empresa constructora no interior do bairro operario. A companhia faculta a venda, a pequenas prestações ou a prompto pagamento, dos predios, depois de construidos, quer aos operarios, quer a quaesquer outros locatarios. Por ora só vendeu duas casas, mas nenhuma a operarios. Emfim, a _Companhia Commercial Constructora_ distribuiu aos accionistas, no segundo anno da sua existencia, um dividendo de 3 por cento, e nos annos posteriores invariavelmente 3 1/2 por cento. Em 1890 ao mesmo tempo que de um grupo de capitalistas sahia esta tentativa sympathica, pretendendo iniciar em Lisboa a construcção de casas hygienicas e economicas, apropriadas para operarios e para gente pobre, gerava-se uma outra no seio do operariado tendo o mesmo fim humanitario e levantado, digno de incitamento e de louvor por mirar ao melhoramento material e reflexamente moral, das classes laboriosas. A segunda tentativa, incomparavelmente mais modesta por não dispor de capitaes, representava sómente o concurso de boas vontades. Mas estas, sendo bem dirigidas e auxiliadas com inquebrantavel persistencia, poderiam com o decorrer dos annos levar a cabo a sua empresa, formando lentamente um capital, e applicando-o na construcção de pequenas casas á medida que o fossem creando. Os iniciadores, que eram operarios e lojistas da freguezia de Santa Engracia, em Alfama, desejavam tambem, como os capitalistas, fundar nas circumvizinhanças um bairro operario. Por meio de collectas mensaes ou semanaes, se fôssem numerosos os socios, poderiam facilmente em poucos mezes obter os fundos indispensaveis para dar começo á primeira casa. Mas esta iniciativa do operariado falhou infelizmente como tantas outras. Foi bem differente a sorte, com prazer o registamos, de uma outra tentativa da mesma natureza iniciada em fins de 1894 por um grupo de pequenos commerciantes, empregados no commercio, e operarios que organisaram uma _Cooperativa Popular de Construcção Predial_. Esta sociedade tem por fim construir dentro da área da cidade, habitações para os associados, adquirindo tambem os terrenos precisos para ellas e para jardins ou ruas contiguas. A sorte designa o socio que ha de ser o proprietario de cada casa que se projecta construir. O capital social é indeterminado, mas não inferior a 400$000 réis; e constitue-se com as quotas dos associados e prestações do custo das propriedades, formando o capital disponivel destinado á compra dos terrenos e construcção dos predios; e com os lucros das vendas dos diplomas, estatutos e cadernetas, quaesquer donativos, saldos de liquidações, juros dos socios eliminados ou fallecidos sem herdeiros e uma percentagem sobre os lucros liquidos da sociedade, pelo menos a vigesima parte, compondo um fundo de reserva destinado a cobrir as faltas do capital disponivel. Só podem ser socios d'esta cooperativa pessoas que vivam do seu trabalho manual, sendo expressamente excluidos della os proprietarios e capitalistas; mas qualquer pessoa pode ser admittida como socio protector não usufruindo os direitos reconhecidos aos socios ordinarios. Estes ultimos contribuem com uma quota minima de 20 réis semanaes, podendo tambem contribuir com tres d'essas quotas; e teem de adquirir os estatutos pelo preço de 100 réis, a caderneta pelo preço de 20 réis e o diploma de socio pelo preço de 200 réis. Os que forem contemplados no sorteio, ao qual são admittidos todos os que tenham pelo menos um anno de inscriptos e estejam em dia no pagamento das quotas, devem satisfazer adeantadamente 3$000 réis mensaes, desde que principiem a habitar a casa até completo pagamento d'ella, juro e mais despesas inherentes á construcção. Além d'isso, teem a pagar todas as verbas de seguros, contribuições, etc. Os socios protectores contribuem com qualquer donativo. O socio pode desligar-se da cooperativa sempre que queira, avisando a direcção com dez dias de antecedencia para o levantamento do seu capital e juros; o capital soffrerá, porém, um desconto de 15 por cento se pretender sahir antes do prazo de seis annos. O que tiver sido contemplado no sorteio receberá os titulos da posse do predio desde que tenha terminado o seu pagamento; mas fica obrigado a pertencer á cooperativa até que tenham casa todos os socios que entraram no sorteio em que lhe tocou a vez. As habitações, segundo os estatutos da sociedade, serão construidas isoladas, ou em grupos, independentes umas das outras, com solidez e obedecendo aos preceitos da hygiene; terão um só pavimento e quintal, destinando-se a uma só familia e occupando o espaço minimo de 77 metros quadrados. Os terrenos serão adquiridos por compra, ou por concessão feita pelo Governo ou pela camara municipal á sociedade, sendo preferidos os que estejam mais perto do centro da cidade. A escriptura da compra do terreno será lavrada em nome do socio contemplado pela sorte; o que não queira habitar a casa, pode ceder o direito a qualquer consocio que entrasse no mesmo sorteio. A _Cooperativa Popular de Construcção Predial_ já tem quasi concluido o primeiro predio que resolveu construir, para o qual adquiriu terreno no bairro operario da _Companhia Commercial Constructtora_. Esta não só lh'o cedeu em condições favoraveis, como lhe reserva para novas edificações todo o terreno contiguo, com frente para a rua Bartholomeu da Costa. Consta-nos que a cooperativa vae proceder em breve a segundo sorteio. O exito d'estas duas sociedades constructoras, a de capitalistas e a cooperativa de homens que vivem do seu trabalho manual, pode e deve servir de incentivo a outras empresas de identica natureza. VI Segundo o dr. Julien Pioger, auctor do excellente livro _La question sanitaire_, o individuo é o elemento essencial da sociedade e o seu valor social depende do seu estado de saude. De todos os factores sociaes que actuam fortemente sobre a saude do individuo, um dos mais importantes é sem duvida a habitação. Em todos os paizes as estatisticas accusam uma enorme differença de mortalidade entre os bairros ricos, de predios bons, espaçados, salubres, e os bairros pobres, de casas accumuladas e infectas, onde de ordinario vive a população operaria. O estado desolador das habitações dos operarios e das classes menos abastadas não pode continuar. A continuação do mal produz o seu aggravamento. E da residencia de familias numerosas em pessimas condições hygienicas, em casas sem ar, sem luz do sol, sem agua com abundancia, resulta o augmento da mortalidade. Douglas Galton, célebre hygienista inglez, calculou em dez annos a média do excesso, da vida normal adquirida nos bairros operarios que em Inglaterra teem sido construidos, obedecendo aos mais severos preceitos da hygiene. O mal sente-se com mais ou menos intensidade em todos os paizes[26], e tanto que muitos socialistas reconhecem a insufficiencia das providencias tomadas e da acção desenvolvida pela iniciativa particular. No _Congresso internacional das habitações operarias_, reunido na Belgica em meados de 1897, os delegados do Conselho Geral do Sena apresentaram e defenderam a seguinte moção, que foi violentamente combatida pelo delegado do Governo francez: "O Congresso "Considerando que é indispensavel garantir a todos os seres humanos habitações salubres; "Que é equitativo que o preço do aluguer esteja em relação com o producto do trabalho; "Considerando que, se é para desejar antes de tudo a iniciativa particular, a sua acção é muitas vezes insufficiente, que em todo o caso é aleatoria e que seria imprudente contar apenas com ella; "Considerando que os meios de acção não são os mesmos em todos os paizes, nem sequer em todos os pontos de um paiz; "Considerando que as leis existentes com razão sanccionam a necessidade da intervenção dos poderes publicos: "É de parecer: "Que a intervenção dos poderes publicos é necessaria para a solução do problema das habitações salubres e baratas--deixando aos Estados, provincias, departamentos ou communas o cuidado de determinar a forma que deve ter essa intervenção." Se a iniciativa particular pouco tem feito e até, desajudada da protecção official, pouco pode fazer entre nós, onde não surgem philantropos como Peadrody, que consagrou a este melhoramento social meio milhão de libras esterlinas com os juros accumulados, ou como a sympathica americana Octavia Hill, que dedicou toda a sua fortuna ao conforto dos infelizes em Nova York e em Londres, compete ao Governo e ás camaras municipaes attender a esta urgente necessidade, procurando por qualquer forma dar um energico incitamento á edificação de habitações baratas e hygienicas para operarios e em geral para as classes menos favorecidas de meios de fortuna. [1] O sr. Guilherme Augusto de Santa Rita, intelligente funccionario publico e escriptor illustre, n'um opusculo publicado em 1891, sob o titulo de _Habitação do operario e classes menos abastadas_, descreve assim as casas infectas e velhas de Alfama: «Penetrando n'essas habitações, o sentimento experimentado é um mixto de compaixão e repugnancia. A ascensão pela tortuosa escada, cujos degraus, cheios de caruncho, rangem sob os nossos pés, quasi constitue um heroismo; heroismo é quasi supportar o vapor que exhalam, impregnado de emanações mephiticas de toda a especie, desde a dos exgottos até áquella que infelizmente symbolisa a pobreza. E de dentro de cada quarto embalde nos acariciará o ouvido uma risada franca, a nota alegre d'uma canção. Embalde, porque é atroador o chôro das creanças junto ao ralho das mães. Se entramos é bem pouco edificante o espectaculo. São dois, são tres, compartimentos ao todo, e o _ménage_ é constituido por 6, por 7 e 8 pessoas! Que desalinho, que falta de ordem e de asseio em toda a casa! Irmãos de ambos os sexos, o pae e a mãe dormem n'um só quarto, e se algum ou mais d'um d'elles adoece, continuam dormindo naquella promiscuidade, porque o _que tiver de ser ha de ser_! Inexoravel, a variola visita d'alto a baixo, quantas vezes! estes predios, e as pobres creanças de preferencia vão na sua garra estrumar as vallas dos cemiterios! Todas ellas teem umas compleições rachiticas. uma pallidez caracteristica de debilidade congenita, olhares espantados, ventas dilatadas, grandes angulos de ossos, e um ar de timidez e desconfiança que inspira dó. Asphyxia-se dentro d'essas casas e quasi nos assalta a nostalgia do sol. Pois esses quartos custam oito, dez e doze moedas por anno. [2] Ob. cit. vol. II. p. 103. [3] Ob. cit. vol. II. p. 104. [4] Ob. cit. vol. II. p. 106. [5] Ob. cit. vol. II. p. 106. [6] Ob. cit. vol. II. p. 106. [7] Ob. cit. vol. II. p. 108. [8] Ob. cit. vol. II. p. 108. [9] Ob. cit. vol. II. p. 107. [10] Ob. cit. vol. II. p. 115 e 118. [11] Ob. cit. vol. II. p. 118 e 119. [12] Ob. cit. vol. II. p. 121 e 122. [13] Ob. cit. vol. II. p. 115. [14] Ob. cit. vol. I. p. 122. [15] Ob. cit. vol. II. p. 281. [16] Idem pag. 288. [17] Ob. cit. vol. II. p. 282. [18] _Figaro_ 16 mars 1894. [19] _Lavolée_, ob. cit. vol. I pag. 124. [20] _La revue Socialiste_, n.º 152 de août 1897, pag. 245. [21] _La revue Socialiste_, n.º 146 de fevrier 1897, pag. 241. [22] Idem n.º 148 de avril 1897, pag. 503. [23] Idem n.º 140 de août 1896, pag. 247. [24] _La Revue Socialiste_, n.º 111 de mars 1894, pag. 371. [25] Ob. cit. pag. 90. [26] Um inquerito feito em 1893 ás habitações insalubres de Amsterdam mostrou que, n'um só bairro, numerosos operarios residiam em subterraneos infectos. Eram 197 essas habitações. D'entre 154 visitadas pela commissão, 45 eram francamente inhabitaveis, 37 humidas e 72 satisfazendo um pouco as exigencias da hygiene. Viviam ahi accumulados, quasi como animaes, 639 adultos. Em subterraneos de 2^m,30 de profundidade, de 2^m,50 de largura e 1^m,90 de altura, dormiam uma noite inteira cinco pessoas tendo apenas para respirar 11 metros cubicos de ar, quando a média é de 8 metros cubicos por pessoa e por hora. (_La Revue Socialiste_ n.º 103--juillet 1893 p. 107.) Em Hamburgo, segundo uma estatistica official, o numero de habitações subterraneas augmenta de anno para anno. De 1880 a 1886 o augmento foi de 91%, subindo de 5:138 a 8:650 esses alojamentos insalubres. Viviam n'esses subterraneos 31:436 pessoas! (Idem, n.º 97--janvier 1893 p. 110.) PROPAGANDA DE INSTRUCÇÃO Para Portuguezes e Brazileiros OS DICCIONARIOS DO POVO N.º 1--Diccionario da lingua portugueza (3.ª edição). N.º 2--Diccionario francez-portuguez (2.ª edição). N.º 3--Diccionario portuguez-francez (2.ª edição). N.º 4--Diccionario inglez-portuguez. N.º 5--Diccionario portuguez-inglez. Cada volume contém cerca de 800 paginas. 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