BIBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES Proprietário e fundador--Mello d'Azevedo (VOLUME LIII) CHRONICA DE EL-REI D. AFFONSO II POR RUY DE PINA _ESCRIPTORIO_ 147--Rua dos Retrozeiros--147 LISBOA 1906 CHRONICA DO MUITO ALTO, E MUITO ESCLARECIDO PRINCIPE D. AFFONSO II. TERCEIRO REY DE PORTUGAL, COMPOSTA POR RUY DE PINA, Fidalgo da Casa Real, e Chronista Môr do Reyno. FIELMENTE COPIADA DE SEU ORIGINAL, Que se conserva no Archivo Real da Torre do Tombo. OFFERECIDA Á MAGESTADE SEMPRE AUGUSTA DELREI D. JOAÕ V. NOSSO SENHOR POR MIGUEL LOPES FERREYRA LISBOA OCCIDENTAL. Na Officina FERREYRIANA. M.DCC.XXVII. _Com todas as licenças necessarias_. SENHOR Ponho na Real presença de V. Magestade a Chronica do Senhor Rei D. Affonso II que ainda que breve no volume, é larga na qualidade dos successos. Nella verá V. Magestade que os seus gloriosos Predeccessores não cessaram em tempo algum do augmento dos seus Estados, e da Religião Christã pois a este fim vestiam as armas, e tomavam a lança com perigo das suas Reaes vidas, como o experimentou este mesmo principe, vendo-se quasi suffocado na campanha. Aceite V. Magestade este tributo do meu obsequio, que prostrado a seus Reaes pés lhe deseja todas aquellas felicidades, que só podem vir da mão de Deos que guarde a Real Pessoa de V. Magestade por muitos annos, como seus vassallos lhe dezejamos. _Miguel Lopes Ferreira_. AO EXCELLENTISSIMO SENHOR FERNÃO TELLES DA SILVA _Marquez de Alegrete dos Concelhos de Estado, e Guerra del-Rei Nosso Senhor, Gentil homem de sua Camara, Védor de sua fazenda, seu Embaixador extraordinario na Corte de Vienna, ao Serenissimo Emperador José, Condutor da Serenissima Rainha Nossa Senhora a estes Reinos, Academico, e Censor da Academia Real da Historia Portuguesa, &c._ Terceira vez busco a V. Excellencia como protector, e amparo commum dos que servem a Patria. A benignidade natural de V. Excellencia tem a culpa desta repetição. Offereço a V. Excellencia esta Chronica del-Rei D. Affonso II chamado vulgarmente o _Gordo_, para que V. Excellencia se digne de a pôr na Real presença de Sua Magestade. Espero que lembrado V. Excellencia de já me haver feito duas vezes este mesmo beneficio, mo queira continuar agora, porque é certo que suprirá a grandeza da Pessoa de V. Excellencia o que eu não mereço. A Excellentissima Pessoa de V. Excellencia guarde Deos muitos annos. Criado de V. Excellencia _Miguel Lopes Ferreira_. PROLOGO AO LEITOR Não te admires vendo uma Chronica tão pequena de um Rei tão grande. Em oito capitulos a deo por acabada o seu Chronista, ou o reformador da sua Chronica antiga. Mas aqui é que se ha de estimar o livro pelo pezo, e não pelo volume. Verás nesta Chronica o que podem as paixões: verás o zelo da Religião obrigando a um Principe a entrar na campanha quando a sua demasiada corpulencia que lhe deo o nome _de Gordo_, justamente o desobrigava de tão violento exercicio; mas o augmento da Fé o fazia esquecer des impedimentos da natureza. Verás como no seu tempo vieram miraculosamente para a Cidade de Coimbra as Reliquias dos cinco Religiosos de São Francisco, que pela Fé deram o sangue em Marrocos, e verás como o mesmo Rei pessoalmente os foi receber. Lê, e não te mostres ingrato ao meu cuidado que não cessa de procurar modos de satisfazer á tua curiosidade, como brevemente o verás. _Vale_. LICENÇAS DO SANTO OFFICIO _Approvação do Reverendissimo Padre Mestre D. Antonio Caetano de Souza, Clerigo Regular da Divina Providencia, Qualificador do Santo Officio, e Academico do Numero da Academia Real da Historia Portugueza_ EMINENTISSIMO SENHOR Esta Chronica del-Rei D. Affonso II que V. Eminencia me manda ver, que anda em nome de Ruy de Pina Chronista mór em tempo de El Rei D. Manoel, e agora manda imprimir Miguel Lopes Ferreira, depois de passados dous seculos, não contem cousa alguma contra a nossa Santa Fé, ou bons costumes. Não só esta Chronica, mas todas as que temos antigas desde El-Rei D. Affonso I e o Conde D. Henrique seu pai, até El-Rei D. Duarte, conforme a observação que tem feito os Eruditos da nossa Historia, todas foram escritas por Fernão Lopes primeiro Chronista mór do Reino, que depois milhorou em estillo o dito Ruy de Pina, e publicou em seu nome, com que agora se imprimiram, com a licença de V. Eminencia, a que não tenho duvida se lhe conceda. Lisboa Occidental na Caza de N. Senhora da Divina Providencia, 8 de Março de 1726. _D. Antonio Caetano de Souza C. R._ _Approvação do Reverendissimo Padre Mestre Fr. Vicente das Chagas, Religioso da Provincia de Santo Antonio dos Capuchos, Lente Jubilado na Sagrada Theologia, e Qualificador do Santo Officio, &c._ EMINENTISSIMO SENHOR Li por ordem de V. Eminencia esta Chronica del-Rei D. Affonso o II. Della consta só a discordia, que houve entre o dito Rei, e suas irmãs, mas ainda assim (depois de obrigado) estudou como se havia de concordar, como concordou, com ellas, sinal de ser Rei sabio, e virtuoso; Sabio como diz Santo Ambrosio: «Lib. 2. de Abraham c. 6. ante medium col. 1013. B. Sapienti pacis, & concórdiae est studium, imprudenti amica jurgia»; e virtuoso como dá a entender S. João Chrysostomo «Homil. 45. ante a medi[~u] col. 373, D. Ubi concordia, ibi bonorum confluxus, ibi pax, ibi charitas, ibi spiritualis laetitia nullum bellum, nulla rixa, nus quam inimicitior, & contentio». Esta concordia, paz, caridade, alegria espiritual, &c vemos por experiencia neste nosso Reino agora de prezente, mas como não ha de ser assim, se temos por Rei o Invitissimo, e Augustissimo Monarcha o Senhor D. João o V, que Deos guarde por muitos annos, de quem com muita propriedade se póde dizer o que lá disse Cicero (senão em tudo, em parte) «Orat. 42. pro Rege Dejotaro in princip. num. I. tom 2. Rex concors, pacificus, fortis, justus, severus, gravis, magnanimus largus, beneficus, liberalis, &c.» Não tem a Chronica cousa contra a Fé, ou bons costumes, e assim julgo que se póde imprimir. Santo Antonio dos Capuchos, 21 de Março de 1726. _Fr. Vicente das Chagas_. Vistas as informações, pode-se imprimir a Chronica del-Rei D. Affonso II e depois de impressa tornará para se conferir, e dar licença que corra, sem a qual não correrá. Lisboa Occidental, 22 de Março de 1726. _Rocha, Fr. Lancastre. Teixeira. Silva. Cabedo._ DO ORDINARIO _Approvação do Reverendissimo Padre Mestre D. José Barbosa Clerigo Regular da Divima Providencia, Examinador das Tres Ordens Militares, Chronista da Serenissima Caza de Bragança, e Academico do Numero da Academia Real da Historia Portugueza_ ILLUSTRISSIMO E REVERENDISSIMO SENHOR Por mandado de V. Illustrissima vi a Chronica del-Rei D. Affonso II que escreveo Ruy de Pina, e nella não achei por onde se não lhe deva dar a licença para se imprimir. V. Illustrissima ordenará o que for servido. Nesta Caza de N. Senhora da Divina Providencia, 18 de Agosto de 1726. _D. José Barbosa C. R._ Vista a informação pode-se imprimir a Chronica de que se trata, e depois de impressa tornará para se conferir, e dar licença que corra sem a qual não correrá. Lisboa Occidental, 27 de Setembro de 1726. _D. J. A. L._ DO PAÇO _Approvação do Reverendo Beneficiado Diogo Barbosa Machado Presbytero do Habito de S. Pedro, e Academico do Numero da Academia Real da Historia Portugueza_ SENHOR Obedecendo ao Real preceito de V. Magestade, li a Chronica do Serenissimo Rei D. Affonso II do nome, e terceiro Rei de Portugal, composta por Ruy de Pina Chronista mór deste Reino, e Guarda mór da Torre do Tombo, um dos mais deligentes Escritores, que venerou a sua idade. Nella, como em pequeno mappa recopilou este Author parte das heroicas acções, que exercitou aquelle Principe, cujo coração foi sempre animado pelos espiritos marciaes, que com a Coroa herdara de seus augustissimos Predecessores, illustrando a sua Real purpura não com o barbaro sangue Mauritano, derramado na famosa conquista de Alcacere, como inferior á sua grandeza, mas com aquelle que sagradamente prodigos verteram em obsequio da Religião sobre as aras do Martyrio cinco heroicos Soldados nas adustas campanhas de Marrocos, que sendo benevolamente hospedados em Coimbra, e Alemquer pela generosa piedade da Rainha Dona Urraca, e da Ifanta Dona Sancha, uma Esposa, e outra Irmã deste Monarcha, quizeram satisfazer aquella piedosa hospitalidade com a posse das suas sagradas cinzas conduzidas ao Real Convento de Santa Cruz de Coimbra pelo ferveroso zelo do Ifante D. Pedro. Certamente agora recebe nova gloria, e maior esplendor o nome não só daquelle Principe, mas ainda do seu Chronista, pois se faz publica, e patente aos olhos do mundo uma Historia, que ha mais de dous Seculos estava occulta nos Archivos, e nas Bibliothecas, e ainda que era conhecida por alguns eruditos, não tinha a fortuna de lograr o beneficio da luz publica eternizada nos caracteres da Impressão mais perduraveis, que aquelles, que a vaidade dos homens abrio nos marmores, e esculpio nos bronzes. Desta tão grande, e tão heroica felicidade o unico, e Soberano Author é V. Magestade, pois com a altissima providencia, com que criou a Academia da Historia Portugueza intruduzio nova vida no corpo historico desta Monarchia, que jazia sepultado nas injuriosas cinzas do esquecimento. Erigio um Capitolio litterario para nelle se coroarem os Varões benemeritos da immortalidade. Abrio uma douta Officina para se lavrarem as Estatuas aos Heroes Portuguezes. Correo as cortinas ao veneravel Santuario das antiguidades Ecclisiasticas desta Coroa. Descobrio os thesouros da erudição Historica atégora fechados á perspicacia de muitos engenhos. Declarou formidavel guerra ao Imperio da ignorancia, e fez communicavel a todo o genero de pessoas o comercio das Letras. Toda esta gloria estava mysteriosamente reservada para o feliz reinado de V. Magestade, pois não lhe bastando para complemento da sua Real grandeza o suave dominio, que tem nos corações de seus vassallos, o quiz tambem dilatar aos entendimentos, como parte mais nobre, e superior de todo o homem. Animados com os generosos alentos, com que V. Magestade inspira, e protege as Sciencias, são innumeraveis os Escritores, que com judiciosa critica, e vastissima erudição tem publicado os partos de seus fecundos engenhos, não sendo inferior a estes a zeloza diligencia com que Miguel Lopes Ferreira se empenhou em obsequio deste Reino a mandar imprimir as Chronicas dos Reaes Predecessores de V. Magestade das quaes é esta a Terceira, sendo egualmente digno da attenção de V. Magestade o seu zelo com que pretende eternizar as glorias desta Monarchia, como benemerito da licença este livro pelo nome de seu author. V. Magestade ordenará o que for servido. Lisboa Occidental 20 de Março de 1727. _Diogo Barbosa Machado_. Que se possa imprimir, vistas as licenças do Santo Officio, e Ordinario, e depois de impressa torne á meza para se conferir, e taxar, e dar licença que corra, sem a qual não correrá. Lisboa Occidental 5 de Junho de 1727. _Marques P. Pereira. Galvão. Oliveira. Teixeira Bonicho_ _Coronica do muito alto, e esclarecido Principe D. Affonso II, terceiro Rei de Portugal_ CAPITULO I _Como o Ifante Dom Affonso foi alevantado por Rei e como foi cazado, e com quem, e que filhos legitimos houve_ El-Rei Dom Sancho de louvada memoria deste nome o primeiro, e dos Reis de Portugal o segundo, faleceo em Coimbra na era de N. Senhor de mil e duzentos e doze; (1212) o Principe Dom Affonso como primogenito, e herdeiro foi logo alevantado, e obedecido por Rei, em idade de vinte e cinco annos, havendo já quatro annos que era cazado com a Rainha Dona Orraca filha legitima del-Rei Dom Affonso deste nome e noveno de Castella, e neste tempo sendo Ifante, depois que sua idade o premitio, e em Reinando El-Rei Dom Sancho seu padre, foi com elle em muitas cousas notaveis, e grandes feitos darmas, que naquelles tempos concorreram, em que por seu corpo, e braço assi o fez sempre como bom, e esforçado Cavalleiro, que bem pareceo ser filho, e neto do pai de que descendia, e para claramente se ver que a Real Caza de Portugal dantigamente foi liada, e conjunta em sangue com todas as Cazas de todos os Reis, e Principes Christãos, é de saber, que El-Rei Dom Affonso noveno de Castella, sogro deste Rei Dom Affonso de Portugal foi cazado com a Rainha Dona Lianor filha del-Rei Dom Anrique Dinglaterra, e della houve dous filhos, e cinco filhas; todos legitimos, a saber, dous filhos o Ifante Dom Fernando primeiro, e herdeiro, que em idade de dezaseis annos sem ser cazado faleceo em vida de seu pai antes um pouco da batalha das Naves de Tolosa, e o Ifante Dom Anrique, que apoz elle depois de sua morte o soccedeo, e sem leixar herdeiro, que o soccedesse faleceo mui moço, como atraz na Coronica del-Rei D. Sancho é declarado, e das cinco filhas que houve uma foi a Ifanta Dona Constança primeira Senhora do Moesteiro das Holgas de Burgos, que El-Rei seu padre novamente fundou, onde ella falleceo sem cazar, e as outras quatro filhas foram Rainhas, a saber, a Rainha Dona Branca, filha maior, que cazou com El-Rei Luis de França, filho del-Rei Felippe, o que disseram Augusto, e houveram herdeiro de França El-Rei São Luis, e outros filhos, e a segunda Rainha, foi Dona Lianor, que foi cazada com El-Rei Dom James, deste nome o primeiro Rei de Aragão, de que houve filho o Ifante D. Affonso, que faleceo moço, e não Reinou, e a terceira filha foi a Rainha Dona Biringela mulher del-Rei Dom Affonso de Lião de que houve filhos El-Rei Dom Fernando Rei de Castella, e de Lião, que dizem o Santo, e o que ganhou dos Mouros Cordova, e Sevilha, e muita parte Dandaluzia, e o Ifante Dom Affonso de Molina, como na Coronica del-Rei Dom Sancho brevemente se disse, e na Coronica de Castella mais largamente se contem. E a quarta filha foi a Rainha Dona Orraca molher deste Rei Dom Affonso de Portugal de que houveram dous filhos, e uma filha a saber, o Ifante D. Sancho o que disseram o Capello, que a poz elle logo Reinou, e o Ifante Dom Affonso que foi Conde de Bolonha em França, que apoz Dom Sancho por não ter legitimo herdeiro tambem Reinou em Portugal, e o Ifante Dom Fernando, que se disse Ifante de Serpa, e segundo se brevemente acha, este cazou em Castella com Sancha Fernandes, filha de Dom Fernando, de que houve uma filha chamada Dona Lianor, que foi depois cazada com El-Rei de Dacia, e lá faleceo sem filhos, e houve mais o dito Rei Dom Affonso da Rainha Dona Orraca sua molher a Ifanta Dona Lianor, que cazou com o filho herdeiro del-Rei de Dinamarca, que depois da morte de seu padre herdou o Reino, mas quando, e como, e por quem estes Ifantes Dom Fernando, e Dona Lianor cazaram, não se acha escrito, somente parece que segundo o pouco tempo que El-Rei Dom Affonso seu padre viveo, que elles cazaram depois de sua morte, e por aderencias das Cazas Reaes de França, e Dinglaterra, com que por sangue eram mui conjuntos. E não dou muita fé, nem authoridade ao que destas Rainhas Dona Orraca de Portugal, e Dona Branca de França vulgarmente se diz, e alguns escreveram, que os Embaixadores del-Rei de França, e del-Rei de Portugal, que juntamente vieram a Castella a requerer cazamentos destas Rainhas filhas del-Rei Dom Affonso, que os de França quizeram antes a Dona Branca, posto que era mais moça, e de menos estima, e leixaram a Portugal Dona Orraca por ser nome feo, para França, por que isto tem duas grandes contradições, a primeira que a Rainha Dona Branca não era a mais moça, mas a mais velha, e nas contendas, que depois houve antre os Reis de França, e Castella, sobre socessão de Castella, que vinha de filhas, e não de filhos, se prova isto muito craro, porque El-Rei São Luis de França pertendia ter direito em Castella, por ser filho da Rainha Dona Branca, filha maior del-Rei Dom Affonso noveno, e queria excludir a El-Rei D. Affonso deste nome o decimo de Castella, filho del-Rei Dom Fernando, neto da Rainha Dona Biringela, por ser filha menor del-Rei D. Affonso noveno, e se a Rainha Dona Orraca fora filha maior, este direito pertencia a El-Rei Dom Sancho Capelo, e a El-Rei D. Affonso Conde de Bolonha, Reis de Portugal, e filhos da dita Rainha Dona Orraca, o que não foi, e a segunda contradição é que este nome Dona Orraca era nome a Rainhas mui costumado, e de muita estima, e tal de que se muitas honraram, e leixando outras muitas, estas que me aqui occorrem apontarei, a mãi do Emperador Despanha D. Affonso deste nome o outavo de Castella, e molher do Conde Dom Reymão de Tolosa havia nome Dona Orraca, que foi a Rainha Despanha, e a Rainha de Lião, molher del-Rei Dom Fernando, e filha del-Rei Dom Affonso Anriques, tambem havia nome Dona Orraca, que foi Princeza mui singular, e a molher de Dom Reymão Conde de Barcelona, e Rei de Aragão, que era da Caza, e Reino de França, que no mesmo Reino havia nome Dona Prona, e mudou o nome, escolhendo outro por milhor, se chamou Dona Orraca, e desta veo D. Affonso deste nome o segundo Rei Daragão, e a Rainha Dona Doce molher del-Rei D. Sancho de Portugal, de que em sua Coronica se disse. CAPITULO II _Das desavenças que houve antre El-Rei D. Affonso, e as Ifantes suas irmãs, e da guerra que sobre esso se moveo_ No primeiro anno do Reinado deste Rei Dom Affonso de Portugal, era o prazo da batalha das Naves de Toloza, que El-Rei Dom Affonso seu sogro tinha posto com Mirabolim de Marrocos, filho de outro Mirabolim, que fora vencedor na outra batalha Delharcos, para que o Papa concedeo geral Cruzada, que o Ifante D. Fernando primogenito herdeiro do dito Rei D. Affonso em pessoa foi pedir, e trouxe de Roma, e logo faleceo, como já disse, e por ganharem os perdões, e remissões de peccados grandes outros Senhores, e outras muitas e nobres gentes de toda Christandade vieram a esta batalha em pessoas á qual não se acha, que fosse em pessoa este Rei Dom Affonso de Portugal, mas que enviou gentes suas, e a cauza delle não ir em pessoa, diz, que foi porque neste proprio anno começou de Reinar em Portugal, e assi por boliços, e desassocegos que dantre elle, e suas irmãs se moveram, como ao diante se dirá. E este Rei Dom Affonso de Castella ao tempo desta batalha era de cincoenta e seis annos, e no anno seguinte tendo Cortes em Burgos, se diz que mandou a ellas chamar a este Rei de Portugal seu genro, ás quaes elle não quiz ir, e elle anojado desso, determinou fazer-lhe guerra, e tomar-lhe os Reinos se podesse, e que com este fundamento indo para Prazença adoeceo no termo de Revaldo em uma Aldea, que se diz Martim Manhos, e ahi faleceo, e foi dahi levado, e sepultado no Moesteiro das Holgas de Burgos, que elle novamente fundou, e outros dizem que vinha para se ver no extremo de Portugal com seu genro para o aconselhar em suas couzas, e debates em que andava, com suas irmãs, e que todavia faleceo no dito lugar, porque tambem este Rei Dom Affonso de Portugal logo como Reinou não lhe faleceram grandes necessidades, e afrontas de excommunhões do Papa, e de guerras, e desavenças que houve com suas irmãs a Rainha Dona Tareja, molher que fora del-Rei Dom Affonso de Lião, e da Ifante Dona Sancha, de que a cauza brevemente foi esta. El-Rei Dom Sancho, como em sua Coronica disse, leixou em seu testamento á Rainha Dona Tareja, sua filha, que fora cazada com o dito Rei Dom Affonso de Lião, a Villa de Monte mór o Velho, e Esgueira, e mais dez mil maravedis douro, e certa prata, e que se ella morresse, que houvesse estes Lugares a Ifante Dona Branca sua irmã della, e leixou á Ifante Dona Sancha a Villa Dalanquer, e dez mil maravedis douro, e tambem prata, e que se ella falecesse, que houvesse a Villa a Ifante Biringela sua irmã, das quaes Villas, e cousas ellas houveram a posse, e as tinham; mas El-Rei Dom Affonso seu irmão em caso que fosse contra seu juramento, e menagem, não quiz estar inteiramente pelo testamento del-Rei seu padre, antes como Reinou logo pedio as ditas Villas, e Fortalezas a suas irmãs, dizendo: «Que El Rei seu padre lhas não podia dar, que era em mui grande diminuição do Reino, e que era sobresso concedido privilegio do Papa Alexandre Terceiro, por o qual as cousas do Reino senão podiam dar a alguma pessoa nem emlhear, e que assás lhe leixara a ellas nos maravedis douro, e prata de seu testamento com outras cousas, que tinham de suas fazendas. E sobre este requerimento El-Rei, e a Rainha, e as Ifantes suas irmãs por lhe darem reposta, pediram dias de liberação, dentro dos quais ellas se recolheram logo com a Ifante Dona Branca sua irmã ao Castello de Monte mór, e o basteceram, e fortalezaram, e deshi se emviaram logo aggravar ao Papa Innocencio III que ficára por executor do testamento del-Rei seu pai, e por esso lhe leixou o dito Rei D. Sancho seu pai cem marcos douro, e assi o fizeram ellas mais saber ao dito Rei de Lião com que a dita Rainha Dona Tareja fora cazada, e era apartada delle pela Egreja, de que houveram logo ajuda, e soccorro, a que por seu mandado veo logo o Ifante Dom Pedro seu irmão dellas filho del-Rei Dom Sancho o que depois passou a Marrocos, e trouxe aos ossos dos Martyres, e assi veio ao dito soccorro, e ajuda o Ifante Dom Fernando filho da dita Rainha Dona Tareja, e del-Rei Dom Affonso de Lião, e assi veo em sua companhia Dom Pedro Fernandes de Castro o Castellão, aquelle que em companhia dos Mouros foi prezo em Portugal, e logo solto, e depois passou, e morreo em Marrocos, e com alle veo muita gente, que foi nos estremos de Portugal, donde enviaram ás ditas Villas, e Fortalezas de Monte mór, e Alanquer aquella que comprio para defenção dos Castellos, e para resistencia del-Rei Dom Affonso de Portugal, o qual por sentir muito o insulto tamanho dos estranhos, e tão grande desobediencia dos seus naturaes, veo logo á dita Villa de Monte mór, e por algumas vezes requereo a suas irmãs, e principalmente a Dona Tareja, cuja era, que houvesse por bem de desistir de seu alevantamento, e quizesse que o Castello se entregasse a algum homem de que ambos se confiassem para o ter em boa guarda, e fieldade, e que de sua fazenda delle lhe faria dar todas dispezas, e mantimentos para esso necessarios, e que este arrecadasse inteiramente para ella todas as rendas, e direitos da Villa, mas que as menagens fossem feitas a elle, o que ella nunca quiz fazer, antes se diz que consentio, que os de dentro em desprezo, e por injuria del-Rei seu irmão calando o nome do Reino, e del-Rei de Portugal a que deveram acatar, e obededer, envocaram, e chamaram o nome de Lião, que repetiam muitas vezes, e que outro tanto mandou fazer a Ifante Dona Sancha no Castello Dalanquer, e por tanto El-Rei temendo perder os ditos Castellos os mandou cercar, e combater, e com a gente do cerco, que sobreveo se seguiram nelles, e em seus termos pela condição da guerra muitas mortes, e danos de uma parte, e da outra, pelo qual os Ifantes, e Senhores, que com a gente do Reino de Lião, que disse entráram em Portugal tomáram Valença do Minho, e Melgaço, Algozo, e Freixo, e outros Lugares chãos que roubaram, e queimaram, em que fizeram muto mal. CAPITULO III _Como foi pelo Papa procedido contra El-Rei D. Affonso por causa da contenda que havia com suas irmãs, e como finalmente foram concordados_ E sobre esso para mais tormento del-Rei Dom Affonso de Portugal vieram de Roma por juizes Delegados do Papa a requerimento das Ifantes o Arcebispo de Santiago, e o Bispo de Çamora, que por El-Rei de Portugal ir contra o testamento del-Rei seu padre, e por não desistir do cerco, que tinha posto aos Castellos de Monte mór, e Alanquer, excommungou sua pessoa, e pozeram entredicto geral em todo o Reino, exceituaram sómente as ditas Ifantes, e seus sequazes, e servidores, sobre o qual El-Rei Dom Affonso com rezões, e cousas que achou, e lhe aconselharam de sua justiça se enviou destes procedimentos querelar, e aggravar ao Papa, e pedir emenda del-Rei de Lião, e dos que tinham as Villas, e Castellos de seus reinos forçados, e nelles feitos muitos danos, alegando sobre esso a pouca justiça que suas irmãs tinham nas Villas, e Castellos de seu Reino, com que se levantáram, e dando outras rezões, porque entendia ser relevado da culpa que lhe dava dizendo por sua escuza, que o não obrigava o juramento, e menagens, que fizera de comprir o testamento del-Rei Dom Sancho seu padre, porque o fizera forçado, e por não ser deserdado do Reino, e mais que a esse tempo seu pai não estava em todo seu sizo, e entender verdadeiro, pois tanto contra justiça fizera tamanho enlheamento das cousas do Reino, que não podia fazer. E o Papa por seu respeito cometeu este negocio aos Abbades Despina, e Vicarria, que fez Juizes Commissairos, os quais vieram a Coimbra onde sobre segurança já praticada, e antre todos concordada, foram tambem juntos El-Rei Dom Affonso, e suas irmãs em pessoas a que os Juizes deram solene juramento porque prometeram estarem todos á obediencia, e detreminação de todo o que elles em nome do Papa ácerca de seus negocios detreminassem, e mandassem, e por este juramento, e promessa que se fez El-Rei, e os seus foram da excommunhão ausolutos, e alevantado o antredicto do Reino. Os Commissairos pozeram antre elles treguas, e seguridade, que todos prometeram guardar, até o Papa finalmente detreminar suas contendas, e debates, e algumas condições das tregoas principaes, eram que os de uma parte, e da outra podessem livremente andar, e tratar por as terras chans uns dos outros, mas que nas Villas, e Castellos cercados não entrassem sem licença dos Senhores dellas, e que tudo podessem, uns e outros comprar, e vender salvo armas, e cavallos, e que ellas Ifantes em algum seu Lugar de Portugal não podessem mandar lavrar moeda douro, prata, nem dalgum metal, que quatro Cavalleiros principais da parte del-Rei jurassem que se El-Rei não guardasse as tregoas que cada um delles com cinco Cavalleiros mais servissem as Ifantes contra El-Rei e cada uma das Ifantes désse outros tantos por si, que com esta condição servissem a El-Rei contra ellas, e mais que El-Rei désse cem homens cazados, e honrados de Coimbra, e que todos lhe fizessem, e pagassem foro, e outros cento semelhantes de Santarem, que jurassem todos fazer sempre comprir esta tregoa, e que não a comprindo El-Rei, que servissem ás Ifantes contra El-Rei, e que ellas por sua parte déssem outros taes, a saber: cento Dalanquer, e cento de Monte mór, para que se ellas não comprissem a tregoa, que servissem a El-Rei contra ellas, e que neste tempo uns, e outros, não cercassem Villas, nem Castellos, nem se fizesse algum mal, sopena de excomunhão, e antredicto, em que elles, e todos los ajudadores, e favorecedores ipso facto encorressem, e com mandado estreito aos Prelados do Reino, que a cada um assi como lhes tocasse as sentenças dos ditos alegados fizessem inteiramente comprir, e executar até o Papa finalmente as aprovar, ou emendar como fosse justiça. Esta tregoa, se fez em Coimbra na era de nosso Senhor de mil e duzentos e quatorze annos, (1214) dous annos depois que El-Rei começou a Reinar, e logo ahi se fulminou e principiou processo em que a Rainha, e a Ifante cada uma per si segundo os danos que del-Rei seu irmão tinham recebidos, e pelas injurias, e males, que no cerco padeceram, pediam contra elle restituição, e assi segurança perpetua de suas Villas, e Castellos, e gram soma de maravedis, que naquelle tempo era moeda douro assi geral, e praticada como neste agora são na Europa os cruzados, e ducados, porque sessenta delles faziam um marco douro, como já em outras partes tenho dito, e ás petições das ditas Senhoras, veo El-Rei por seu procurador com exceições, e contrariedades, e compensações sobre que de uma parte, e da outra foi dito, e assás alegado, e sobre seus alegados foi o feito concruzo, e os Juizes remeteram a publicação da final sentença para Melgaço, Castello de Portugal no extremo de Galiza, a que mandaram que El-Rei, e as Ifantes fossem por si, ou por seus procuradores, onde no Maio seguinte a publicaram, e foi El-Rei condenado por a dita sentença em grande soma de dinheiro, e doutras emendas, e depois que passou o termo para a paga, assinado, pozeram em El-Rei sentença Dexcommunhão, e assi antredito em todo o Reino, de que logo apelou, e depois de muitos debates, e delongas, que em Roma, e Espanha sobre este caso passaram, que não fazem a realidade da Estoria, finalmente El-Rei, e as irmãs se concordaram por maneira, que as Villas de Monte mór, e Alanquer ficaram com ellas segundo a disposição do testamento del-Rei Dom Sancho seu pai, e as Villas e Castellos, e terras de Portugal, que El-Rei de Lião tinha tomadas foram entregues, e restituidas a El-Rei Dom Affonso. No qual meio tempo que durou esta divisão, e discordia uns e os outros fizeram grandes, e danosas entradas, e muitos roubos nos Reinos, uns dos outros, em que houve pelejas particulares sem alguma façanha de notar, cuja longa, e expressa declaração não ponho ora; porque para a sustancia da Estoria não é muito necessaria. CAPITULO IV _Do fundamento que houve para Alcacere do Sal, que era de Mouros, ser cercado, e tomado dos Christãos, e do Bispo de Lisboa principalmente_ Nos primeiros cinco annos que El-Rei Dom Affonso Reinou não se acha, que socedessem outras cousas, salvo as desavenças, e desacordos em que andou com suas irmãs, e irmãos e assi a guerra com El-Rei de Lião, e com suas genetes como já disse, e passados os ditos cinco annos, e andando a era de nosso Senhor em mil e duzentos e dezasete annos os Christãos, que estavam na conquista dultra már por defenção, e recobramento da Terra Santa, tinham muitas necessidades de concorrer ás cruas guerras, e cercos apertados, que dos Infieis padeciam, para o que os Summos Pontifice convocavam, e requeriam todolos fieis Christãos de todalas nações, e vindo por mar a este soccorro muitas gentes Dalemães, e Framengos, e outras de contra o Norte fizeram todos uma frota de cento e cincoenta naos de que eram Capitães principaes Iliquino, Conde Dolanda, e Georgeo, Conde de Frisa, com que iam outros Senhores, e grandes homens, e sendo em mar, em través de Portugal para demandarem o estreito de Cibraltar deu na frota tão grande, e tão contraria tromenta, que algumas naos dellas se perderam, e outras correram ao Cabo de S. Vicente até a Villa de Farão, a qual com toda a Comarca, e Reino do Algarve ainda eram Mouros, e porque o vento contrairo, e assi a terra de imigos, em que estavam, não lhes traçavam bem para sua segurança, elles para dos danos, e perdas recebidas se poderem milhor repairar fizeram volta, com fundamento de se virem ao porto de Lisboa. Sendo outra vez em mar, deu nelles outra tromenta mais aspera, e de maior perigo que a primeira, em que já tambem perderam algumas naos com toda a gente que nellas vinha, e a outra frota depois que a tromenta cessou, e sobreveo bom vento de viagem, entrou toda via, e veo surgir ante a Cidade de Lisboa, e os Capitães della assás tristes, e anojados, pelas grandes perdas de gentes, e doutras cousas, que no mar tinham perdidas, e sahindo logo Capitães com pouca gente em terra, o Bispo, que então era de Lisboa chamado Dom Matheus, sabendo que eram Christãos os recebeo, e tratou com muita honra, e bom acolhimento, segundo a bondade de uns, e as necessidades dos outros requeria, de que o Bispo logo soube o proposito com que vinham, que era por soccorro, e ajuda da Caza Santa. E dahi a poucos dias este Bispo de Lisboa porque era Prelado de mui bom espirito, e grande coração, depois de ter juntos com seus rogos, e boa humanidade os principaes destes Estrangeiros lhe disse. «Honrados, e devotos Senhores, Deos sabe que a mim peza muito de todolos nojos infortunios, que passastes, e o remedio por agora não é outro salvo paciencia do passado, e esforço, e bom coração para o que mais vier, vós vedes bem, quanto vos é contrairo o tempo para seguirdes vossa proposta viagem, e desto por vossos Pilotos, e mariantes podeis ser milhor certificados, póde ser, e eu assi o creo, que Deos o premite assi para alguma cousa de seu louvor, e serviço, e tambem de nossas honras, e proveito, e esto digo porque aqui junto ha um Castello em poder de Mouros, que dizem Alcacere, de que esta terra toda que é de Christãos recebe muito dano; se vos prouver pois este feito, não é estranho doutros, que emprendestes, e a que his ajudarnos nelle, assi como vejo que podeis fazer, e com vossa gente, e ajuda de Deos principalmente, o ganharemos dos infieis, e pois a obra, e o serviço é de Deos, elle por sua grandeza, e piedade vos dará delle bom galardão, e nestas cousas sómente que tocam a vossa honra, e salvação, aconselhai-vos com sizo, e com a devoção, e não com a vontade carnal, porque assás de vergonhosa cousa será publicardes pelas bocas bom dezejo para o servir, e as obras, que são tão possiveis serem disso contrairas, e pois o lugar, e tempo se offerecem agora tão despostos rogo-vos que elles não vos passem com ociosidade, ca bem creo, que bem sabeis que ella é fundamento de todolos peccados, e sepultura dos homens vivos, e corrução de todolos costumes, e propositos virtuosos, e pois em vossos sobre sinaes que trazeis mostraes serdes devotos, e servidores da Cruz, assi tambem é rezão que sejais imigos dos imigos della, e vossas mãos fortes deem agora verdadeiro testemunho da bondade, e fé de vossos corações, e esta tomada de Alcacere, para que vos convido, e requeiro, será com a graça de Deos assás possivel, se vós com vossas pessoas, e frota quizerdes ajudar a nós, que com outra gente do Reino vos seremos em todo fieis, e bons companheiros.» Estas palavras, e outras muitas a estas conformes disse o Bispo aos Estrangeiros, alguns dos quais depois de haverem antre si seu acordo, e conselho tiveram oppinião contraira, e se partiram, e outros, que foram os mais consentiram na proposição, e requerimento do Bispo, e lhes aprouve ser na ida sobre Alcacere. CAPITULO V _Como Alcacere foi cercado, e com que numero de gente Portuguezes e tambem Estrangeiros_ Aquelles Estrangeiros que foram dacordo com os Portuguezes de irem sobre Alcacere se recolheram logo ás suas naos, e sendo aparelhados do que lhes compria no mez de Setembro, se foram, e seguiram a barra de Setuvel, que neste tempo era Lugar pequeno, e não era cercado, em que pescadores sómente viviam, e da gente de Portugal se acha que foram estes Capitães principaes, a saber este Dom Mateus, Bispo de Lisboa, e Dom Pedro Mestre da Ordem da Cavallaria do Templo, e Dom Mestre Gonçalo, Prior do Esprital, e Martim Barregam, Commendador de Palmella, e estes levaram comsigo da terra, Comarca de Lisboa, e de Evora, e de seus termos vinte mil homens, de que os mais eram de pé, e alguns de Cavallo, e não se acha que El-Rei Dom Affonso, que então Reinava em Portugal, fosse neste exercito em pessoa no qual tempo parece que elle deveria ser doente, ou empedido por alguma outra urgente causa, porque não pôde ser neste feito, e haveria por bem, e mandaria que se fizesse prestes, como se fez, ca não é de crer, tamanho feito sem seu mandado, e authoridade se cometesse, e o que se neste caso achou, é que os Estrangeiros em navios, que poderam ir, foram de Setuvel pelo rio acima até junto Dalcacere, onde saindo alguns para tomar uvas, os Mouros, que da sua ida eram já bem avizados, com armas lhe foram resistir, em que houve algum acometimento de peleja, de que um Mouro se diz que ficou morto, e os outros se recolheram ao Castello, e os Estrangeiros surgindo com seus navios mais ávante poseram defronte da Villa suas pranchas, e sem resistencia sairam em terra, e logo elles, e os Portuguezes que já tambem eram chegados, juntos com devida deligencia e resguardo cercaram o Castello de maneira que alguma pessoa não podia sair, nem entrar sem conhecido perigo; mas os Mouros posto que com tanta estreiteza se vissem cercados não mostravam ter por esso desmaio, nem temor, vendo que o Castello em que estavam era de muros, Torres, barreiras, e a cava mui forte, e bem provido, e acalcado de muitas gentes, e armas, e mantimentos para grandes tempos, e por milhor seneficança aos de fora de seu esforço, e confiança, poseram muitas bandeiras por cima do muro de que em sinal de desprezo diziam feas palavras, e davam suas costumadas gritas. E os Christãos leixaram boa guarda sobre sua frota, que com gentes, e armas ficou no porto bem segura, e sobre esso uns, e outros fizeram logo combater o Castello, e vendo que pela larga, e alta cava com que o muro era em torno valado não poderam bem chegar aos muros, e cortaram tantas arvores de fruito, e juntaram tanto outro mato que sendo igual a cava com a terra de fóra podessem mais sem trabalho chegar aos muros, mas os Mouros aconselhados das necessidades e perigos em que se viam, lançaram de cima tanto fogo, com tantas cousas temperado, que a lenha da cava ardeo logo toda, por cujo impedimento leixaram logo de combater, e apoz esto ordenaram os Christãos um engenho para com pedras destroirem o muro, mas sua fortaleza de dentro era tal, que dos seixos de fóra lhe dava muito pouco, pelo qual tornáram a lançar tanta lenha na cava, com que foi chea, e tal guarda se poz, que não foi dos Mouros queimada como elles logo tentaram, por cima da qual os Christãos chegados ao muro deram um combate a que os Mouros com seu grande esforço, e muitas armas resistiram de tal maneira, que afastaram os Christãos dos muros, em que de uma parte, e da outra houve assás mortos e feridos. CAPITULO VI _Dos Reis Mouros que vieram por soccorro da Villa de Alcacere, e da primeira batalha que deram, em que foram victoriosos_ Os Christãos, que tinham cercado Alcacere, e os Mouros que nelle eram cercados tinham antre si diversos pensamentos, ca uns consultavam engenhos para brevemente tomar, e os outros artificios para se delles pefender, e tambem não leixavam de buscar, e consultar conselhos, e remedios para com soccorro serem descercados, sobre que tinham feitos seus avizos a quatro Reis Mouros, que eram na Espanha, a saber El-Rei de Sevilha, El-Rei de Cordova, El-Rei de Jaem, e El-Rei de Badalhouse, os quaes para este soccorro, e descerco foram pôr seu arraial ao lugar que chamam Sitymos, que é uma legoa Dalcacere, de cuja vinda sendo os Christãos logo sabedores foram postos em temeroso pensamento. E não era sem causa, segundo verdadeira certidão que houveram, ca traziam comsigo por terra quinze mil de Cavallo, e oitenta mil de pé, e pelo mar dez Galés bem remadas, e aparelhadas. Mas aquelle alto Deos, que sobre todos tem o poder, não quiz em tanto perigo e necessidade desemparar os Christãos, que por sua fé emprenderam, sostinham esta demanda, porque por uma sua permissão piadosa arribaram a este porto, tambem na paragem de Setuvel trinta e seis naos de uma Cidade que dizem Trageito, com gentes Christãs, nobres, e de bom esforço, que iam áquella Conquista dultramar, que disse, os quaes em suas bandeiras traziam sinaes de S. Martinho, porque a jurdição daquella terra donde vinham era do Bispo daquella Cidade; da frota era Capitão mór Dom Anrique de Nehusa, o qual leixando suas naos com aquella segurança e resguardo de gente que compria, elle com a outra em bateis, e navios piquenos se foi ao arraial de Alcacere, onde dos Christãos foram com muita alegria de grandes louvores recebidos, e todos logo acordaram de valar o arraial em torno com valos altos e fortes para resistencia dos Reis Mouros, que vinham, e aqui se diz, que alguns Estrangeiros da primeira frota aconselhavam e requeriam aos outros da sua companhia, que se partissem em paz, e não esperassem o perigo da batalha, escuzando sua covardice torpe, com dizerem, que quando de suas terras partiram, seu voto e proposito não foi pelejar se não com aquelles infieis que tinham tomada a terra de Jerusalem, e o Santo Sepulchro, e que alguns Portuguezes, em que não havia verdadeira Fé, nem bondade de coração concordavam com elles, dando por voto covarde, que era bem de descercar o Lugar, e leixalo sem contenda, e posto que destes houvesse alguns com suas mostranças de tão vituperada fraqueza, havia porém outros muitos cuja santa, e virtuosa contraridade esforçou, com que determinaram não descercar o Castello, e confiando em Deos esperar a ventura que lhes viesse, pelo qual fizeram logo seu alardo, e de gente de pé bem armada, e bem disposta para peléjar, se diz que acharam comsigo muita, mas gente de Cavallo se affirma que escassamente refizeram trezentos. E os Reis Mouros para comprimento do proposito com que vieram, acordaram que com a maior força que nelles houvesse viessem logo ferir no arraial dos Christãos, e que tambem as suas Galés, que tinham já tomada uma nao de Portugal com duzentos homens e jazia na entrada do porto de Setuvel, juntamente pozessem fogo á frota dos Christãos, que jazia sobre amarra, mas os Christãos receosos deste dano, e avizados já para esto, pozeram tal guarda e defenção na frota, que os Mouros o não cometeram, e foi sempre delles segura, e uma segunda feira como foi manhã sairam do arraial dos Mouros cinco de Cavallo corredores, e como chegaram, e viram o assento do arraial dos Christãos logo volveram ao seu, e sobre esto abalou todo junto o seu Exercito em que havia tantas gentes, que toda a terra cobriam, trazendo comsigo tão grande estrondo de alaridos, e gritas, e com tantos sons de trombetas, e outros desvairados instrumentos, que a qualquer coração por abastado de esforço que fora não leixára de tocar de grande medo, e muito espanto, pelo qual os Christãos havendo-o assi por milhor, sairam a elles de suas estancias, postos em suas batalhas ordenadas, e com muita ardideza uns aos outros logo se cometeram, e feriram, em que da uma parte, e da outra houve cruel, e bem ferida peleja com mortes, e feridas de muitos, e daquella vez se diz que os Mouros levaram a vantagem da batalha, com a qual se recolheram em seu arraial. CAPITULO VII _Da segunda batalha que houve sobre Alcacere, e como os Reis Mouros foram vencidos, e feito grande estrago em suas gentes_ Os Christãos vendo para o fim que vieram um começo tão contrairo, e que a força Dalcacere se fazia cada vez mais forte, e a elles tirava toda esperança de por força o cobrar, não leixávam de murmurar, e apontar que seria bom irem-se, e por aquella vez leixar o cerco, e o Bispo de Lisboa, que na gente dos Christãos era pessoa de mór credito, e mais principal, sentindo na noite seguinte a temerosa e fraca murmuração, que em todo o seu arraial havia, elle em prezença dos mais que por então se poderam ajuntar lhes disse. «Honrados Senhores e amigos, esta desaventura, e grande mal de que todos estaes espantados, não veo sobre vós das forças, nem das armas dos nossos imigos, mas cauzou se da grande presunção, e muita confiança que de vós mesmos e de vossas forças, e multidão de gentes logo tomastes, esquecidos em todo, da só, e principal ajuda de Nosso Senhor, e Salvador Jesu Christo, que se nos agora aqui faleceo foi para o milhor conhecermos, mas pois já aqui viemos, e somos mui fortes para armas, e temos gentes, e estamos bastecidos de mantimentos, não queiraes desconfiar, porque esta aversidade a potencia de Deos a permite para crara esperiencia de maior nossa fé, e mais merecimento de nossas almas, mas brademos, e clamemos de coração ao Senhor Deos, e com efficacia, e devação, que nossas necessidades requerem lhe pessamos que esta sua ira, se contra nós, por nossos peccados a tem, a queira converter em nossos imigos, e cada um com os giolhos em terra diga por si como eu digo por mim: Senhor Deos Padre das misericordias, e grande ajudador nas tribulações ex as muitas nações de tantos infieis vieram para nos destroir, pois como duraremos ante a face delles se nos tu Deos não ejudas, e pois assi é Senhor agora não ponham ante ti a lembrança de nossos malles e peccados, nem tomes de nós aqui vingança por elles ante estes imigos de tua Santa Fé, tu por tua bondade, e potencia os dá nas mãos, e poder de teus servos, por tal, que os que em ti crem louvem mais o teu Santo nome». No cabo da qual Oração, que todos devotamente, e com muitas lagrimas o seguiram, se diz que por consolação dos Christãos logo appareceo pubricamente no Ceo um maravilhoso sinal por bemaventurado prognostico, a saber, um homem resplandecente, como Sol, e alvo como uma neve, e no peito trazia o sinal da Cruz vermelha mais luzente que as Estrellas, com que os Christãos, que craramente o viram foram mui alegres e esforçados, crendo que Deos era em sua ajuda, e com este prazer e alegria, que geralmente todos conceberam, já com seu temor dormiram assocegados aquella noite, e ao outro dia como foi manhã o Bispo, como era homem em que havia prudencia, e bom esforço, para se não esfriar o alvoroço que sentio nos Christãos com a longura dalgum tempo, falou logo ás gentes do Exercito que o podiam ouvir dizendo: «Senhores amigos bem vistes todos o grande e maravilhoso sinal que para não temermos, e sermos esforçados Deos Nosso Senhor tão pubricamente nos quiz mostrar, e por esso já seria muita nossa fraqueza, e grande mingoa de nossa Fé tardarmos mais para a segunda batalha, mas com o esforço de Deos, que temos presente, e com ajuda, e preces dos Santos Martyres Proto, e Jacinto, cujo dia hoje é, vamos logo ferir nos imigos, ca pelo melhoramento da vitoria, que contra nós houveram, agora os acharemos mais repouzados, e menos percebidos». Pelo qual os Christãos postos em suas batalhas bem concertadas, com grande ousadia, e sem sinal dalgum medo sairam, e foram dar no arraial dos Mouros, e assi duramente os cometeram, e tão cruamente os feriram, e foram tão cortados, e trovados de medo, que parecia não terem armas para pelejar, nem forças para resistir, e desacordados se diz, que elles mesmos uns aos outros se feriam, e matavam, e se espedaçavam com os pès dos Cavallos, e que outros com medo da morte duvidosa a tomavam certa no rio, que era junto em que se lançavam, e afogavam, e vendo-se os Reis Mouros, e suas gentes assi salteados, e vencidos não tendo já alguma esperança em sua resistencia, nem peleja, procuraram buscar sua salvação na fogida, em cujo alcance os Christãos matando, e ferindo seguiram, em que se affirma que dos quatro Reis que alli vieram, dous delles sem se dizer quem eram, foram mortos, e com elles trinta mil Mouros mais, e com esto recolhendo o muito, e mui rico despojo, que acharam no arraial dos Mouros, os Christãos se tornáram mui alegres a seu cerco, que tinham posto sobre a Villa, dando todos muitas graças e louvores ao Padre nosso Senhor, que de sua mão deu esta vitoria, que foi a onze dias de Setembro do sobredito anno de mil duzentos e dezasete annos, (1217) dia dos ditos Martyres Proto, e Jacinto, á certidão da qual vitoria, como foi dada aos infieis, que para este descerco eram em sua frota postos no mar elles desacordados, e tristes se partiram, onde se diz que se perderam alguma parte de seus navios, e de suas gentes assás nelles. CAPITULO VIII _Como os Christãos combateram e tomaram o Castello Dalcacere_ Os Christãos por esta vitoria ficaram alegres, e mui esforçados, depois de consultarem sobre a milhor maneira que teriam para tomar a Villa, fizeram duas escadas grandes, e com gente darmas que comprio foram logo juntas ao muro para o entrarem, e comessarem de combater o Castello; mas os Mouros com a necessidade que tinham de salvar suas vidas, dobráram suas forças, pelo qual assi com fogo, com pedras, e traves, e setas, que de cima do muro lançavam, afastaram os Christãos longe do muro, em que da uma parte, e da outra foram muitos mortos, e feridos, e porque os Christãos viram que aquella qualidade de combate por a grande fortaleza, e desposição dos muros lhe não socedia como dezejavam, fizeram logo cavas, e minas por baixo da terra para as poerem debaixo dos muros, e postos em contos os derribarem por fogo; mas os Mouros que desto por avizos, ou por conjeituras foram bem sabedores contraminaram as cavas dos Christãos, e uns, e outros com peleja mui crua se encontraram, em que houve muito sangue derramado, e com grandes fogos, e cousas fumosas que os Mouros fizeram, lançaram os Christãos fora das cavas, e pozeram sobre si segura guarda, pelo qual vendo os Christãos que alguma cousa das cometidas de todo lhes não aproveitava, elles, por conselho, e ordenança do Capitão da frota, que era homem engenhoso, e de bom esforço, fizeram logo duas bastidas de madeira muito fortes, e tão altas que cada uma dellas sobejava por cima das mais altas Torres do Castello, donde os combates que nellas poseram iam seguros, e não temiam os danos dos Mouros, e com esto, e com outros engenhos que mais ordenaram, e com muitos bésteiros, e frecheiros commetteram o Castello rijamente por muitos lanços do muro, por cima do qual os Mouros com a força das setas, e pedras que lhe lançavam, não ouzavam parecer nem resistir como dantes faziam, e vendo-se fracos de suas forças, e desesperados já em tudo, de todo o soccorro, e finalmente porque se não podiam suster, fizeram sinal que se queriam render, e sobre seguro, que lhes foi dado, vieram á pratica, e apontamento, em que pediram as vidas, e fazendas, mas as vidas sómente lhe foram outorgadas com segurança das quaes elles abriram as portas do Castello, e assi seguros se sahiram, e foram para onde quizeram, e o Alcaide do Castello, que antre elles era a pessoa mais principal, não se quiz ir com os outros, mas acha-se que da tomada da Villa, a tres dias por sua vontade foi bautizado, e tornado Christão, e os outros Mouros que os Christãos acharam pelas Aldeas, e Lugares de redor todos, se diz que sem resistencia morreram a ferro, e os grandes despojos que da batalha passada se recolheram, e na Villa se acharam foram logo igualmente repartidos sem aventagem dalgum, salvo que ao Capitão de fóra, porque por seu conselho e ordenança o cerco fora sempre regido lhe deram mais déz por prezioneiros, que elle tomára. E porque ao Bispo de Lisboa não foi sobre elles dada alguma avantagem, que bem merecia, o Capitão da frota a que tal escasseza não pareceo bem, por seu conforto lhe disse: «Reverendo Bispo, posto que vós aqui pelo bem recebeis mal, e pela bondade malicia rogo-vos que a estes homens, que tão mal o conhecem, e fazem sejais paciente, porque o principal galardão que por este trabalho mereceis Deos nosso Senhor que é bom, e justo, e porque bem o recebestes volo dará bom no Ceo, e será melhor que este de cousas da terra». E com esto os Estrangeiros se recolheram a suas frotas, e se partiram para onde quizeram, e o Bispo com os senhores Portuguezes, que ao cerco vieram depois de leixarem a Villa afortalezada, e bastecida, como viram que compria, tambem se tornaram para suas terras, e cazas, e esta tomada de Alcacere em tempo deste Rei Dom Affonso II foi em dia de S. Lucas, a dezoito do mez de Outubro da era de nosso Senhor de mil duzentos e dezasete annos, (1217) e dahi a um anno este Rei Dom Affonso com a Rainha Dona Orraca sua molher lhe deo foral que agora tem, como por elle parece. CAPITULO IX _Como cinco frades Italianos da Ordem de S. Francisco foram a Marrocos a prégar a Fé de Christo, e primeiramente chegaram a Sevilha, que era de Mouros_ Desta tomada Dalcacere até o falecimento Del-Rei Dom Affonso se passáram seis annos, nos quaes se não acha feito que elle fizesse, nem se passasse cousa dina de memoria, salvo que depois em sua vida, e da dita Rainha Dona Orraca sua molher, o Ifante Dom Pedro seu Irmão filho tambem legitimo del-Rei Dom Sancho trouxe a Coimbra os ossos dos cinco Frades Menores, que em Marrocos morreram Martyres, cujo caso segundo a Lenda Santa, que delles se lê, e segundo o que mais delles verdadeiramente se acha foi brevemente nesta maneira. Na Coronica del-Rei Dom Sancho pai deste Rei, falando dos filhos que teve sumariamente disse: que o Ifante Dom Pedro, seu filho, o qual bem acompanhado de nobre gente Despanha passara em Africa, e estivera em muita estima, e grande authoridade com Mirabolim de Marrocos, até o tempo do Martyrio destes Santos Frades, dos quaes se acha por a dita sua Lenda, e por inquirição verdadeira, que o sobredito Dom Matheus, Bispo de Lisboa, delles, e do seu Martyrio, e milagres tirou por testemunhos de muitos, dinos de fé, que com o dito Ifante andaram, e principalmente por um Cavaleiro de Santarem que chamavam Estevão Pires, homem velho, e honrado, e de louvada vida, e costumes que ao dito Ifante sempre servio, que na era de nosso Senhor de mil duzentos e dezanove, (1219) e aos treze annos da primeira conversão de S. Francisco, elle por vontade de Deos, escolheo em sua vida seis Frades de sua Ordem por natureza Italianos, e de maravilhosa santidade, a saber: Frei Vital, e Berardo, Otone, Acurcio, Pedro, e Adjuto, e por saberem bem a lingoa Arabiga os mandou ao Rei, e Reino de Marrocos, que naquelle tempo sobre os Mouros Dafrica, e Despanha tinha o mór Principado, para lhe prégarem, e trabalharem pelo converter á Fé de Christo. E destes seis Frades fez maioral, e Prelado a Frei Vital, o qual como elle com os outros chegassem ao Reino Daragão adoeceo; e porque vio que sua doença se prolongava por tal que seu mal corporal, o bem, e negocio espiritual, e de Deos não impedisse, mandou que por comprirem o mandado de Deos, e de S. Francisco se fossem a Marrocos, os quaes por sua obediencia o leixaram doente, e se partiram, e chegeram á Cidade de Coimbra onde a esse tempo era a Rainha Dona Orraca molher deste Rei Dom Affonso, a qual os fez ir ante si, e como falasse com elles em cousas de Deos, e nelles visse tão grande desprezo do mundo, e tamanho fervor de morrer por amor de Jesu Christo, e sem duvida os julgou, e houve por mui verdadeiros, e prefeitos servos de Deos, e por esso com grande instancia lhe rogou, que por suas rogações pedissem a Deos que revelasse a ella o derradeiro termo de sua vida, e posto que elles com sua humildade confessassem não ser dinos entender nos segredos de Deos: porém vencidos das devotissimas preces da Rainha, ditas com muitas lagrimas, prometeram-lhe que assi o pediriam, os quaes orando a Deos com firme, e pura fé, não sómente o que da vida da Rainha, mas ainda o seu Martyrio, por revelação de Deos lhe foi tambem senificado, porque logo disseram que os derradeiros dias da vida da Rainha seriam mui sedo quando seus corpos depois de seu Martyrio, fossem de Marrocos ali trazidos, e della mesma Rainha, e de todo o povo com grandes honras recebidos, e assi foi como se dirá. Partidos os Frades de Coimbra para seguirem sua santa jornada, vieram por aviamento da Rainha Dona Orraca á Villa Dalanquer, onde estava a Ifante Dona Sancha, irmã del-Rei Dom Affonso, que era Senhora da dita Villa, a que tambem revellaram todo o seu proposito; como ella foi Princeza mui santa, aprovando seu negocio ella sobre os habitos da sua Religião que elles traziam lhes deu outras vestiduras seculares, taes, com que mais livres, e facilmente podessem passar a terra de Mouros, e assi com seus habitos desimullados foram á Cidade de Sevilha, que então era de Mouros, onde na pouzada de um Christão, leixados os habitos leigos, por oito dias estiveram escondidos, e acertou-se que em um dia fervendo seu espirito para Martyrio, elles sem guia, nem conselho doutros se foram á principal Mesquita dos Mouros, e como em ella quizessem entrar os infieis, que os viram, e conheceram, endinados contra elles com empuxões, brados, e açoutes, que lhe deram, e por instituto, e costume os não consentiram entrar, e dahi indo-se ás portas del Rei, e sendo ante as ditas portas dos Paços foram levados ante El Rei, e perguntados quem eram? Responderam: que vinham a elle Rei por Embaixadores, e enviados do Rei dos Reis, e Senhor dos Senhores, que era Jesu Christo, e como ante El-Rei muitas, e mui dinas cousas da Fé Catholica proposessem aconselhando-o para sua conversão, e para receber agoa do santo Bautismo, e com esso muitas couzas feas, e torpes de Mafamede, e de sua seita descobrissem, El-Rei endinado de grande ira contra elles lhes mandava cortar as cabeças, mas amançado por palavras de um seu filho, que era prezente, os mandou meter em uma Torre mui alta junto dos Paços, de cuja altura aos que entravam, e sahiam da caza del-Rei, elles não leixavam de prégar em altas vozes a Fé de Christo, e brasfemar, e mal dizer da Seita de Mafamede, cujos seguidores, e favorecidos diziam que no inferno seriam com tormentos para sempre danados, e anojado El-Rei de suas palavras, e para lhe arredar o azo de as não poderem dizer, os mandou meter no mais profundo da Torre, donde por concelho dos seus vassallos os mandou tirar, e levar a Marrocos em companhia de Dom Pedro Fernandes de Castro o Castellão, de que atraz disse, e ao diante direi, que por odios, e perseguições dos Condes de Lara, não se pode soster em Castella, e duas vezes se passou aos Mouros, e desta derradeira para Mirabolim de Marrocos. CAPITULO X _Como os Frades chegaram a casa do Ifante Dom Pedro, e do que logo fizeram, e como foram tornados a Ceyta para virem a terra dos Christãos, e dahi se volveram outra vez a Marrocos_ Neste tempo estava em Marrocos o Ifante Dom Pedro, filho del-Rei Dom Sancho, e irmão deste Rei Dom Affonso, a cuja caza os ditos Frades, e o dito Dom Pedro Fernandes logo chegaram, e o Ifante os recebeo com humanidade, devação, e bom trato, e os proveo de todo o que haviam mister, porque era Principe em virtudes mui acabado, e os Frades como dahi em diante viam quasquer Mouros logo com muito fervor lhes prégavam, especialmente um dia Frei Berardo, que delles era o mais principal, e milhor sabia Arabia, sobindo em um carro, ou lugar alto como pulpito, e prégando a Fé de Christo a muitos Mouros que o ouviam acertou-se que o Mirabolim ia visitar, como tinha de costume, a sepultura dos Mouros Reis, que eram fóra da Cidade, e vendo o Frade prégar, e por elle ser prezente não querer desistir da prégação á sua seita contraria, estimando o por homem sandeo, e por tirar escandalos mandou, que elle com todos os Frades fossem logo lançados fora da Cidade, e sem tardança levados a terras dos Christãos, pelo qual o Ifante Dom Pedro havendo-o assi por bem lhes deu alguns seus servidores, que seguramente os levassem, como levaram até a Cidade de Ceyta, para dahi logo passarem a terra dos fieis. Mas os Santos Padres não contentes da viagem leixáram as guias, que os levavam, e tornaram-se outra vez a Marrocos, e como chegasseem á praça da Cidade logo aos muitos Mouros, que nella acharam começaram de prégar, louvando os merecimentos da Fé de Christo, e brasfemando dos vicios, e erros de Mafamede, e sua seita, da qual cousa como El-Rei fosse certificado os mandou logo meter em um estreito carcere, onde sem alguma ordenada provizão, nem mantimento dos homens, que houvessem, mas com a só refeiçao de Deos, que houveram. Vinte dias foram encarcerados asperamente, e neste tempo, porque em toda aquella terra sobrevieram mui grandes, e desordenadas quenturas do Sol, e grandes destemperamentos do Ar, alguns creram que estes males poderiam vir pela injusta prizão dos Frades, pelo qual por concelho de um Mouro chamado Abotorim, que aos Christãos tinha amor, e queria bem, El-Rei consentio que fossem livres do carcere, e trazidos ante elle, mandou aos Christãos que logo sem mais detença os mandassem a sua terra. E porém El-Rei com os outros Mouros não ficaram sem grande espanto, quando viram os Frades tão esforçados dos corpos, e tão constantes das vontades, havendo vinte dias continos, que sem algum mantimento ordenado jouveram no carcere, e perguntados por El Rei: quem os mantivera tanto tempo? Lhe disse Frei Berardo, que como El-Rei bem crece na Fé de Jesu Christo logo saberia como elles sem beber, e sem comer foram no carcere manteudos. E com tudo elles como se viram soltos, logo sem algum medo outra vez quizeram tornar a pregar aos Mouros, mas os outros Christãos, que com elles estavam, receosos da ira del-Rei que com mortes, e cruezas, se estenderia nas vidas de todos, como mostrava, lho não consentiram. Então lhe ordenaram logo outros homens fieis que os acompanhassem, e levassem outra vez a Ceyta, para dahi passarem a terra dos Christãos, mas os ditos Frades sospirando por seu Martyrio, despedindo-se daquelles que os levavam se tornaram outra vez a Marrocos, onde o Ifante os mandou logo recolher, e encerrar em sua caza com guardas, e defeza estreita, que os não leixassem sahir, porque receava segundo El-Rei de suas pregações se escandalizava, que não sómente mandaria matar os Frades, mas a elle, e a todos os christãos que houvesse na Cidade. CAPITULO XI _De um milagre que se fez por causa de Frei Berardo, e como foram presos e atormentados os outros Frades_ E acertou-se que o Mirabolim a este tempo mandou o Ifante Dom Pedro com outros muitos nobres homens de Christãos, e Mouros, que delle tinham soldo fazendo guerra, e sogigar a uns senhores Mouros seus vassallos, que se lhes rebelaram, apoz os quaes Frei Berardo, e os outros Frades, que tiveram maneira de se soltar, logo seguiram, e foram devolta onde se diz, que disputando Frei Berardo com um Mouro ante elles o mais letrado, e venceo, e confundio, e que este Mouro, com vergonha nunca mais tornou a Marrocos, nem depois não pareceo, e tornando o Ifante com os outros Mouros da conquista, que lhes fora encomendada, vieram por uma terra tão seca que por tres dias para si, nem pera seus cavallos não poderam achar em nenhuma parte agoa para beber, e como a estreiteza da sede desesperasse todos das vidas, Frei Berardo era na companhia, feita primeiro sua dovota oração, tomou na mão um piqueno pao com que cavou um pouco na terra mui seca donde milagrosamente logo arrebentou, e sahio uma grande fonte de agoa doce, e mui singular de que não sómente os homens, e alimarias bebiam, e se abastaram, mas ainda encheram muitos odres, que levaram para o caminho. E como esta necessidade dagoa foi satisfeita, logo a fonte se sarrou, e secou, e por tão grande, e tão manifesto milagre, que de todos foi visto, e Deos por Frei Berardo fizera, todos os do exercito dahi em diante o tiveram em grande devação, e reverencia, e muitos por Santo lhe beijaram os pés, e as vestiduras, e como estes Santos Frades tornassem a Marrocos, e em caza do Ifante fosse por elles posta grande guarda, para não sahirem, e elles toda via sairam, e em uma Sexta feira, que o Mirabolim ia visitar os sepulchros dos Reis Mouros, os Frades sem algum temor, e com grande ousadia se apresentaram ante elle, e sobindo Frei Berardo em um tezo começou de lhe prégar mui sem receio, e como El-Rei os visse, cheo de ira contra elles, mandou a um seu Capitão Mouro que vira o milagre dagoa, que logo lhes cortasse as cabeças, pelo qual os Christãos, que eram prezentes, com temor de suas proprias mortes, logo fugiram dahi, e fechadas, e trancadas bem as portas de suas pouzadas, nellas sem sair jaziam escondidos, mas o Principe Mouro mandou aos homens da justiça que trouxessem os Frades ante elle, e como por duas vezes o não achassem os tornaram a levar a mais aspero carcere com golpes, e bofetadas com que os feriam, e com esso os ditos Frades assi aos Christãos, que se lhe offereciam não leixavam de prégar a palavra de Deos. E sendo outra vez trazidos ante o dito Principe, e com tanta constancia os visse prégar, e confessar a fé Catholica, e reprovar, e reprehender com muita ouzadia as couzas de Mafamede, e sua seita, acezo da ira contra elles os mandou logo atormentar com muitas, e mui desvairadas maneiras de tromentos, e depois apartar uns dos outros, e em desvairadas cazas onde cruamente os mandou açoutar, e aquelles maos, e crueis ministros atados os pés, e as mãos dos Santos, e com cordas asperas lançadas aos colos delles, e arrastando-os de uma parte a outra pela terra, assi continuadamente, e tão sem piedade os açoutavam, que as tripas lhe apareciam, e sobre as chagas recebidas por acrescentarem mais dor lhe lançavam vinagre, e azeite fervendo, e assi foram por toda a noite atormentados, e açoutados de trinta Mouros, que nelles se arrevezavam, na qual noite daquelles que os guardavam foi visto, que um grande resplandor decendia dos Ceos, e com uma companha sem conto os arrebatavam, e levantavam para cima, e maravilhados desso os Mouros, e de todo espantados, chegando ao corcere acharam os Santos Frades devotamente orando. CAPITULO XII _Como El-Rei de Marrocos fallou com estes Frades, e por os não poder converter a sua seita por si mesmo os matou, e como foram mortos tambem Pedro Fernandes, e Martim Affonso Telo, sobrinho do Ifante_ As quaes couzas ouvindo El-Rei de Marrocos, acezo com maior sanha contra elles, mandou que logo lhe fossem levados com as mãos atadas, e descalços dos pés, e depois dos corpos continuadamente açoutados, e espancados, os quaes como El Rei na Fé de Christo os visse tão firmes, mandou dentro meter comsigo certas molheres fermozas, e lançados todos fóra disse: «Convertei-vos a nossa fé, e dar-vos-hei estas por vossas molheres, e com ellas muito dinheiro, e sereis em meu Reino muito honrados.» A que os Frades logo responderam: «Tuas molheres, e teu dinheiro não queremos; porque tudo esto desprezamos por amor de Christo». É então El-Rei arrebatado de maior ira, e sanha, apartados os Santos um do outro, por suas proprias e mui cruas mãos a cada um per si talhou as cabeças por meio das fontes, e apertando na mão tres cutellos, juntamente com uma crueza de besta féra os degolou, os quaes compriram este seu Martyrio a dezaseis dias de Janeiro do anno de Christo de mil duzentos e vinte, (1220) em tempo do Papa Honorio III, em o quarto anno de seu Pontificado, e quasi sete annos antes da morte de S. Francisco. E depois disto lançados fóra os corpos dos Martyres por as molheres, que comsigo tinham: estes perros barbaros e maos, atando cordas a seus pés, e mãos, os arrastaram para fóra da Cidade, em torno da qual com grandes brados, e pregões os trouxeram, e espedaçados de todos os membros, os leixaram no campo, pelo qual os Christãos, que os assi viram, alevantadas as mãos aos Ceos, louvando a Deos por seu tão glorioso Martyrio, comessaram de apanhar, e recolher as Riliquias dos ditos Santos escondidamente, a qual couza como os Mouros vissem, todos como cães raivosos, tanta multidão de pedras lançaram nos Christãos, que parecia tempestade de sua raiva, mas os Christãos defezos já pelos merecimentos dos Santos, fugindo da ira dos Mouros a suas cazas se recolheram, donde com temor da morte, que antre si traziam, escondidos por tres dias não pareciam, principalmente, porque neste tempo o Ifante mandou a Dom Pedro Fernandes de Castro, o Castellão, que lá era lançado, e a Martim Affonso Tello, seu sobrinho, nobres homens, que com outros muitos andavam em sua companhia, que de noite secretamente fossem ver onde jaziam os corpos dos Martyres para se recolherem, porque foram vistos, e achados dos Mouros, logo os mataram. CAPITULO XIII _Como os corpos dos Martyres foram queimados, e despedaçados, e emfim recolhidos por devação, e industria do Ifante Dom Pedro_ Depois desto em um grande fogo, que foi feito no campo, os corpos dos Santos se lançaram por tal, que de todo fossem queimados, mas o fogo por virtude Divina das santas Reliquias assim se apartava, e apagava, como que a materia muito lhe fosse contraira com junto, antes a cabeça de um dos Martyres lançada muitas vezes no fogo, nem nos seus cabelos não pareceo algum sinal de queimadura, a qual assi com a pelle, e cabellos foi mostrada sem alguma corrupção no Moesteiro de Santa Cruz de Coimbra, mas dos Mouros alguns por amizade, e outros por dinheiro, e proveito, e assi os Christãos, que na Cidade eram cativos, apanhando as Reliquias dos Santos as offereciam ao Ifante, que recebendo-as com grande devação as mandou secretamente cozer, e depois que as carnes se gastaram, e os ossos ficaram limpos, os mandou secar, e encomendou a guarda principal delles a João Roberto, Conego de Santa Cruz, homem em virtudes acabado, e a tres innocentes, moços honestos, seus moços da Camara, dos quaes um foi o Estevão Pires de que atraz disse, que deu este estromento, ca não era algum ouzado entrar onde as sagradas Reliquias estavam em guarda, porque a só sua consciencia de qualquer crime ocultamente commetido logo o reprendia, e acuzava. E neste tempo um Cavalleiro chamado Pedro da Roza, tendo uma manceba por nome Maria da Roza, como sobisse a um sobrado onde as Reliquias se guardavam logo elle sem se poder mover, e tolheito, bradou fortemente dizendo: «Acorrei-me, acorrei-me, dai-me confissão. A qual como o Conego lha deu, em que de todo renunciou a manceba, logo foi livre dos membros, e pode decer, mas não pode falar até que o mesmo Conego por mandado do Ifante lhe poz sobre o peito a cabeça de um Martyre, com que de todo recobrou as forças, e fala, assi como dantes as tinha, e dahi em diante, assi o Ifante como todos os seus tiveram as Reliquias em maior honra, e devação, das quaes mandou meter as cabeças em uma arca, e os ossos em outra, e as tinham em grande veneração na sua Capela, e ás santas Almas dos Bemaventurados Martyres, cujas Reliquias tinha continua, e devotamente pedia, que de Deos lhe ganhassem graça para sem perigo de sua pessoa, e dos seus, se poder vir para sua terra de Christãos, porque já havia muitos dias que na dos Mouros contra sua vontade se detinha, e estava forçado. CAPITULO XIV _Como o Ifante D. Pedro foi tornado a Espanha, e trouxe consigo os ossos, e Reliquias dos Martyres, e as mandou a Santa Cruz de Coimbra, e dos milagres que houve no caminho_ Esta graça pelas preces dos Martyres, foi da piedade de Deos brevemente empetrada, porque estando o Ifante desta sua liberdade assás desconfiado, o Mirabolim de sua propria vontade, e sem requerimento dalguem o mandou chamar, e alegremente lhe deu licença, que para sua terra se viesse quando quizesse, descobrindo-lhe logo as muitas vezes que para sua morte fora de seus principaes aconselhado, e induzido; mas por seus merecimentos, e bons serviços, que fielmente sempre lhe fizera, merecia outro galardão. E com esta licença lhe deu mais suas cartas de passos, para elle, e os seus seguramente poderem passar, com as quaes partiram de Marrocos, e depois de um dia, e uma noite, vieram no caminho dormir a Azora, que era lugar despovoado onde de ferozes brados dos muitos Liões, que ahi ha foram postos em temor de que logo foram livres, como ante si, e os Liões pozeram com devação, e confiança as santas Reliquias, que por sua santidade fizeram tudo quieto, e ao outro dia chegaram a um Lugar em que se apartavam muitos caminhos, e duvidosos de qual era o melhor que tomariam, e o Ifante sospenço, e confiado na santa guia das Reliquias que acompanhava mandou dar a dianteira a uma Azemala que as levava, e houve por bem que aquelle caminho que ella tomasse, todos por milhor o seguissem esperando que elle seria o milhor, e mais seguro. O que foi assi feito, e a Azemala se desviou de um caminho para que a gente se mais inclinava, onde o Ifante soube depois em certo que Mouros o esperavam para o matar, e roubar, e da hi em diante em dezertos e montes porque passáram sempre déram a guia ás santas Reliquias, que com a graça de Deos levaram o Ifante, e os seus a salvamento atè Ceita, onde embarcando logo em uma nao, que o Divino favor lhe tinha prestes, e aparelhada para terra de Christãos, partiram, e navegaram logo com vento prospero, que em poucas horas, com grande escuridão se mudou o contrairo, e algumas outras naos que se acertaram em sua conserva, por uma respiração divina faziam daquella do Ifante Capitaina, por quem se regiam, e com a grande sarração que sobreveio temendo de ir á Costa se encomendaram devotamente aos rogos, e merecimentos dos Santos Martyres, cujas sagradas Reliquias levavam, para que em salvamento os guiassem, e logo supitamente derramada a escuridão, em que andavam, veo a grande claridade, e bonança, com que bem viram, e conheceram o caminho de sua perdição, que levavam, e desviados delle aportaram na Aljazira, daquem Despanha, e dahi a Tarifa, e logo a Sevilha, que era de Mouros, onde por os Christãos que ahi eram, o Ifante foi avizado, que logo se partisse, porque El-Rei de Sevilha o mandava prender. Pelo qual logo ahi embarcaram, e vieram a Astorga, que é em Galiza do Reino de Lião, onde então reinava El-Rei Dom Affonso, primo com irmão do Ifante Dom Pedro, e como foram partidos chegaram a Sevilha mandados de Mirabolim de Marrocos que logo lhe prendessem, e tornassem o Ifante, e cortassem as cabeças a todos os seus, mas deste perigo, e doutros muitos prouve a Deos que o Ifante, e os seus, pelos merecimentos dos Santos Martyres, cujo devoto era, fossem como foram, livres, e seguros, e como chegassem a Astorga um hospede onde foram agazalhados havia trinta annos que assi era doente, e tolheito de parlezia, que do officio da fala, e dos membros era de todo privado, e ouvindo as grandes maravilhas dos Santos Martyres, que os Christãos consigo traziam, lançado em terra ante a Arca em que suas sagradas Reliquias eram guardadas, pedindo-lhe com muitas lagrimas, e grande devação remedio para sua doença, logo ahi á vista de todos recebeo na fala, e em todos os membros perfeita saude, e o Ifante Dom Pedro não veio com as Reliquias dos Martyres a Coimbra; mas de Astorga mandou com ellas Affonso Pires de Arganil, que era Rico homem, e pessoa de grande credito, porque o Ifante Dom Pedro não era bem avindo com El-Rei Dom Affonso de Portugal seu irmão. CAPITULO XV _Como as Reliquias dos Martyres foram recebidas, e como foi a morte da Rainha Dona Orraca, molher del-Rei Dom Affonso, e das cousas que foram vistas_ Como Affonso Pires chegasse a Coimbra onde a fama dos Santos Martyres já era, a sobredita Rainha Dona Orraca molher deste Rei Dom Affonso de Portugal, que ahi estava com o povo junto, que com toda a Cleresia, e mui devota, e solenne Procissão, saio a receber as sagradas Reliquias, e com muita devação, e grande solennidade as levaram ao Moesteiro de Santa Cruz, onde mui honradamente as leixaram, e como a nova do glorioso Martyrio destes Santos Frades chegasse a S. Francisco, alegrando-se em seu espirito, disse: «Agora verdadeiramente posso dizer que tenho cinco irmãos». E no mesmo anno em que estes Martyres foram mortos segundo testemunho das santas Lições, que delles se dizem, por sua vingança a ira, e indinação de Deos, veio contra El-Rei de Marrocos, e seu Reino, porque a propria mão direita, e braço çom que o dito Rei Mouro matou os Santos Frades, todos seus membros daquella parte até o destro pé, foram todos secos, e por maldição da sua terra, nos tres annos seguintes apoz este Martyrio, não choveo nella couza alguma, de que se seguio mais, que por cinco annos continos houve tanta fome, e tão cruas pestilencias nos homens, que a mór parte da gente por tamanha mortindade foi destruida por tal, que os annos da vingança fossem iguaes ao numero dos Santos Frades. E porque a Profecia dos Santos Frades em todo se comprisse a sobredita Rainha Dona Orraca passadas mui poucas horas, depois que ás Santas Reliquias foi dada divina sepultura, ella Rainha chea de virtudes acabou sua vida, e dahi foi levada a Alcobaça onde jaz, e á mesma hora que ella faleceo, sendo a noite profunda, Dom Pedro Nunes Conego, e Sacristão do Moesteiro de Santa Cruz, Varão por Santidade mui esclarecido, e Confessor da mesma Rainha, vio innumeraveis Frades Menores entrar no Choro antre os quaes era um, que aos outros com grande solennidade precedia, e apoz elle cinco antre todolos outros com honra singular mais excellentes, e como no Choro com procissão assi entraram logo com doce melodia que se não póde dizer, cantaram as Matinas, e o dito Pedro Nunes Sacristão, sendo pelo que vio todo atonito, perguntou a um delles, a que vieram, e porque lugar tantos Frades em tal hora entrassem, sendo serradas todalas portas do Moesteiro, o qual lhe respondeu: «Nós todos que aqui vez somos Frades Menores, e agora reinamos com Christo, e aquelle que vez, que com tanta gloria precede aos outros, é S. Francisco que tanto dezejastes ver nesta vida, e aquelles cinco, que antre os outros tem mais excellencia são os Frades, que em Marrocos por Christo receberam Martyrio, e neste Moesteiro são sepultados, e sabe que a Rainha Dona Orraca nesta ora passou desta vida, e porque ella de todo coração amou nossa Ordem, Nosso Senhor Jesu Christo nos enviou cá todos, porque por sua honra disessemos aqui Matinas, e porque tu eras seu confessor, quiz Deos que tu visses estas couzas, e da morte da Rainha não duvides; porque na hora que daqui partirmos ouvirás logo certa nova». E aquella Procissão sendo todas as portas do Moesteiro serradas logo sairam, e nesta hora aquelles que eram da familia da dita Rainha bateram ás portas, e denunciaram que ella tinha já paga sua necessaria divida á carne, e falecera. CAPITULO XVI _Como Santo Antonio por exemplo destes Martyres tomou o habito de S. Francisco, e do que seguio em Marrocos por milagre, e da morte del-Rei Dom Affonso_ Despois que estes Santos Martyres começaram de resplandecer com mui claros milagres que muitos em sua mais profuza lenda se contem, e por exemplo delles o Bemaventurado Antonio que a este tempo era Conego no Moesteiro de Santa Cruz mesmo, e se chamava Fernando Martins, ardendo com dezejo de semelhante Martyrio, entrou na mesma Ordem dos Menores, em idade de vinte e cinco annos, e nella acabou dez annos, exclarecido em Santidade, e com milagres. E por esta ida destes Frades, o mesmo S. Francisco, porque seu exemplo ardia em gram fervor, e dezejo de Martyrio, passou com sete Frades a terra de Suria, e foi ao Gram Soldam, e como quer que com grande constancia, e mui sem medo lhe prégasse a Fé de Christo, o Gram Soldam o tornou a enviar livremente, e são a sua propria terra. E acha-se por lembranças antigas, que por este Martyrio destes Santos Frades ser tão cruamente feita em Marrocos, e com tanto desprezo de Deos, e de sua palavra, houve em todo aquelle Reino tantas esterilidades, e securas, e por tantos annos, que esteve para de todo se despovoar, e porque geralmente antre elles, e pelo povo se dizia que tamanha maldição não viera á terra salvo pela inocente morte dos Religiosos, El-Rei a cujas orelhas este rumor, e clamor chegara, tendo sobre esso concelho com os Mouros, e tambem com os Christãos, que estavam ahi, acordaram que onde padeceram, que ali com grande arrependimento, e gemidos, e muitas lagrimas viessem, como vieram pedir a Deos que havendo por esso com elles piedade, se diz que logo choveo, e veio á terra acostumada avondança em todalas cousas, por cujo beneficio se affirma que El-Rei de Marrocos com todo seu povo prometeram, e ordenaram que da mesma Ordem dos Frades Menores fosse dado Sacerdote, ou Bispo a todolos Christãos, que em Marrocos, e em sua terra vivessem, e que os Frades fizessem ahi Moesteiro da Ordem de S. Francisco, em que livremente sempre estivessem, e dessem os Sacramentos aos Christãos sem algum receio, o que por muitos annos assi comprio. E deste anno de Christo de mil e duzentos e vinte, em que esto sucedeo, até o anno de mil duzentos e vinte e quatro em que este Rei Dom Affonso faleceo, não achei que elle fizesse, nem em seu Reino sucedesse outras cousas notaveis, pelo qual tendo elle trinta e sete annos de sua idade, e havendo doze annos que Reinava, faleceo na era de nosso Senhor de mil e duzentos e vinte e quatro, (1224) e jaz em Alcobaça, com a Rainha Dona Orraca sua molher, na Capella grande, que elle em sua vida mandou fazer diante a porta do Moesteiro, e neste anno se diz que foi mudado o Convento de Santa Maria, a antiga á nova Egreja, e Moesteiro de Alcobaça, que El-Rei D. Affonso Anriques, seu avô de fundamento mandou fazer. DEO GRATIAS INDEX DAS COUSAS NOTAVEIS A Affonso II (D.) de Portugal, que idade tinha, e em que anno foi levantado Rei, pag. 17. Foi cazado com Dona Orraca filha del-Rei D. Affonso IX de Castella. ibi. Não quer conceder á Rainha Dona Tareja, e á Infanta Dona Sancha suas irmãs as terras que lhes deixara seu pai D. Sancho I, pag. 22. É excommungado pelo Papa Innocencio III para que largue os Castellos de Monte Mór, e Alanquer a suas irmãs, pag. 24. É absolvido da Excommunhão, e com que circumstancias se ajustou a tregoa entre estes Principes, pag. 25 e 26. Contende judicialmente sobre a mesma materia com suas irmãs, e é condemnado a pagar-lhe uma grande somma de dinheiro, pag. 27. Em que anno, e idade morreo, pag. 30. Onde está sepultado, ibi. Affonso IX (D.) de Castella sogro del-Rei D. Affonso II de Portugal com quem foi cazado, e que filhos teve, pag. 18. Manda chamar a seu genro D. Affonso II de Portugal ás Cortes que fez em Burgos, e não vai, pag. 21, onde morreo, e está sepultado, ibi. Affonso Pires de Arganil, entrega por ordem do Infante D. Pedro as Reliquias dos Martyres de Marrocos no Convento de Santa Cruz de Coimbra, pag. 55. Alcacere é cercado pelos Portuguezes e Estrangeiros, e das pessoas principaes Portuguezas que assistiram neste cerco, pag. 31. No seu campo são mortos pelos Portuguezes trinta mil Mouros, e em que dia e anno se conseguio esta vitoria, pag. 38. O seu Castello depois de uma larga resistencia é conquistado, pag. 40. Em que dia e anno foi tomado, pag. 41. Algozo e Freixo são tomados pelos Ifantes D. Pedro e D. Fernando em odio de seu irmão D. Affonso II de Portugal, pag 24. Antonio (Santo) passa da Religião dos Conegos de Santo Agostinho para a de S. Francisco, pag. 58. Armada de Alemães, e Framengos, que se compunha de cento e cincoenta naos depois de padecer varias derrotas aportou a Lisboa, pag. 29. B Berardo (Fr.) um dos cinco Martyres de Marrocos, abre milagrosamente na terra seca uma fonte de que todos beberam, e se admiraram, pag. 48. Beringela (Infante Dona) filha del-Rei de Castella Affonso IX cazou com D. Affonso Rei de Lião, e que filhos teve, pag. 18. Branca (Infante D.) filha de Affonso IX, Rei de Castella, cazou com El-Rei de França, e foi mãi de S. Luis, pag. 18. Era mais velha, que sua irmã Dona Orraca, pag. 20. C Constança (Infante Dona), primeira Senhora do Moesteiro das Holgas de Burgos, foi filha del-Rei D. Affonso de Castella, pag. 18. F Fernando (Infante D.) chamado de Serpa foi filho de Affonso II de Portugal, e da Rainha Dona Orraca, pag. 19. Com quem cazou, e que filhos teve, ibi. Fernando (Infante D.) filho de Affonso IX de Castella morreo de idade de dezaseis annos, pag. 8. Foi a Roma buscar a Cruzada que o Papa concedeo a seu pai para a batalha das Navas de Tolosa, pag. 21. Foral. Em que anno foi dado por El-Rei D. Affonso II á Villa de Alcacere, pag. 41. Francisco (S.) O que disse quando teve noticia do Martyrio dos seus cinco Religiosos em Marrocos, pag. 56. Passa com sete Frades á Suria a prégar a Fé seguindo o exemplo daquelles cinco Martyres, pag. 58. G Gonçalo (D.) Mestre, e Prior do Esprital se achou no cerco de Alcacere, pag. 31. H Henrique de Neusa (D.) Capitão de uma Armada Estrangeira, que constava de trinta e seis naos, arribáram ao porto de Setuval, e junto com os Portuguezes batalham com os Mouros que estavam senhores de Alcacere, e sahem vitoriosos, pag. 34. I Innocencio III manda excommungar pelo Arcebispo de Santiago, e o Bispo de Çamora a Affonso II por negar os Castellos de Monte mór e Alanquer a suas irmãs que seu pai D. Sancho I lhe deixara, pag. 24. L Lianor (Dona) filha del-Rei D. Henrique de Inglaterra, cazou com Affonso IX de Castella, pag. 2. Que filhos teve daquelle Principe, pag. 18. Lianor (Infante Dona) filha del-Rei D. Affonso IX de Castella cazou com D. James I Rei de Aragão, pag. 18. Lianor (Infante Dona) Neta de Affonso II de Portugal cazou com El-Rei de Dacia, pag. 19. Lianor (Infante Dona) filha de Affonso II de Portugal cazou com o filho herdeiro del-Rei de Dinamarca, pag. 19. M Martim Affonso Tello sobrinho do Infante D. Pedro é morto em Marrocos, pag. 51. Martim Barregam Commendador de Palmella se achou no cerco de Alcacere, pag. 31. Martyres que padeceram em Marrocos como se chamavam, pag. 42. São recebidos em Coimbra pela Rainha Dona Orraca, pag. 43. Foram tratados com grande benevolencia em Alanquer pela Infante Dona Sancha irmã de Affonso II de Portugal, ibi. Pregam animosamente em Sevilha contra a ceita de Mafamede, pag. 44. Crueis Martyrios que padeceram, pag. 49. São degolados por El-Rei de Marrocos, pag. 50. Anno, e dia do seu Martyrio, ibi. São queimados os seus corpos, e maravilhas que então sucederam, pag. 51. Como foram trazidos os seus corpos a Coimbra, pag. 54 e 55. Matheus (D.) Bispo de Lisboa recebe aos Estrangeiros que vinham em uma Armada que aportou áquella Cidade, e os exhorta á conquista de Alcacere, pag. 29. Achou-se no cerco de Alcacere, pag. 51. Faz uma pratica aos soldados Portuguezes e Estrangeiros que estavam no campo de Alcacere para que não levantem o sitio, mas que tomem a Praça. pag. 36. Melgaço é tomado pelos Infantes D. Pedro e D. Fernando com alguma gente de Lião em odio de seu irmão D. Affonso II de Portugal, pag. 24. Mouros. Como se houveram esforçadamente no sitio de Alcacere, pag. 33. Governados pelos Reis de Sevilha, Cordova, Jaen, e Badalhouse vem soccorrer Alcacere, ibi. São derrotados, e mortos trinta mil no campo de Alcacere, pag. 38. O Orraca. Princezas varias que tiveram este nome, pag. 20. Orraca (Dona) filha del-Rei D. Affonso IX de Castella foi cazada com D. Affonso II de Portugal, pag. 17. Era mais moça que Dona Branca, pag. 20. Recebe em Coimbra aos Martyres de Marrocos, que lhe pronosticaram a sua morte, pag. 40. Quando morreo, pag. 56. Onde está sepultada, pag. 59. P Pedro (Infante D.) filho de Sancho I de Portugal, veio socorrer a sua irmã Dona Tareja, que estava recolhida no Castello de Monte mór, contra seu irmão D. Affonso II, pag. 23. Estando em Marrocos recebe em sua caza aos Santos cinco Religiosos que alli padeceram martyrio, pag. 45. É livre de gravissimos perigos por intercessão dos mesmos Santos Martyres, pag. 53. Alcança licença del-Rei de Marrocos para trazer as Reliquias dos mesmos Marryres para Portugal, ibi. Pedro (D.) Mestre da Ordem da Cavallaria do Templo se achou no cerco de Alcacere, pag. 31. Pedro Fernandes de Castro chamado o Castellão é morto em Marrocos, pag. 51. Pedro Nunes (D.) Conego e Sacristão do Moesteiro de Santa Cruz de Coimbra, Confessor da Rainha Dona Orraca teve uma admiravel visão dos Santos Martyres de Marrocos, pag. 56. R Rei de Marrocos pela sua propria mão degolou os cinco Martyres da Ordem de S. Francisco, pag. 50. Castigo que experimentou por esta impia crueldade, pag. 56. Movido das grandes calamidades que padecia o seu Reino concede liccença que os Frades Menores levantem Convento em Marrocos, pag. 59. Reliquias Dos Santos Martyres de Marrocos como foram trasidas, e dos milagres que obraram pela jornada, pag. 53. Do modo como foram recebidas em Santa Cruz de Coimbra, pag. 55. S Sancha (Infante Dona), irmã del-Rei de Portugal D. Affonso II recebe com grande benevolencia em Alanquer aos Santos Martyres de Marrocos, pag. 43. Sancho I (D.) de Portugal, onde, e quando morreo, pag. 17. Sytimos. Lugar distante uma legoa de Alcacere foi a parte onde se alojaram os Reis Mouros que vinham soccorrer o seu Castello, pag. 33. T Tareja (Rainha Dona) com sua irmã Dona Sancha se recolhem ao Castello de Monte mór, e se queixam ao Papa Innocencio III da tyrania com que seu irmão D. Affonso II lhe negava as terras que lhes deixara seu pai D. Sancho I, pag. 23. É soccorrida por seus dous irmãos D. Pedro e D. Fernando em Monte mór contra D. Affonso II, pag. 23. Do modo com que se concertou com seu irmão, pag. 27. Tregoa. Em que anno foi celebrada entre D. Affonso II, e suas irmãs Dona Tareja e Dona Sancha, pag. 26. V Valença do Minho é tomada pelos Infantes D. Pedro e D. Fernando em odio de seu irmão D. Affonso II negar as terras a suas irmãs que lhe deixára seu pai D. Sancho I, pag. 24. Vitoria do Campo de Alcacere em que dia, e anno se alcançou, pag. 38. FINIS LAUS DEO INDICE DOS CAPITULOS I--Como o Ifante Dom Affonso foi alevantado por Rei, e como foi cazado, e com quem, e que filhos legitimos houve II--Das desavenças que houve antre El Rei D. Affonso, e as Ifantes suas irmãs, e da guerra que sobre esso se moveo III--Como foi pelo Papa procedido contra El-Rei D. Affonso por causa da contenda que havia com suas irmãs, e como finalmente foram concordados IV--Do fundamento que houve para Alcacere do Sal, que era de Mouros, ser cercado, e tomado dos Christãos, e do Bispo de Lisboa principalmente V--Como Alcacere foi cercado, e com que numero de gente Portuguezes e tambem Estrangeiros VI--Dos Reis Mouros que vieram por soccorro da Villa de Alcacere, e da primeira batalha que deram, em que foram vitoriosos VII---Da segunda batalha que houve sobre Alcacere, e como os Reis Mouros foram vencidos, e feito grande estrago em suas gentes VIII--Como os Christãos combateram e tomaram o Castello Dalcacere IX--Como cinco Frades Italianos da Ordem de S. Francisco foram a Marrocos a prégar a Fé de Christo, e primeiramente chegaram a Sevilha, que era de Mouros X--Como os Frades chegaram a caza do Ifante Dom Pedro, e do que logo fizeram, e como foram tornados a Ceyta para virem a terra dos Christãos, e dahi se volveram outra vez a Marrocos XI--De um milagre que se fez por causa de Frei Berardo, e como foram prezos e atormentados os outros Frades XII--Como El-Rei de Marrocos fallou com estes Frades, e por os não poder converter a sua seita por si mesmo os matou, e como foram mortos tambem Pedro Fernandes, e Martim Affonso Telo, sobrinho do Ifante XIII--Como os corpos dos Martyres foram queimados, e despedaçados, e emfim recolhidos por devação, e industria do Ifante Dom Pedro XIV--Como o Ifante D. Pedro foi tornado a Espanha, e trouxe consigo os ossos, e Reliquias dos Martyres, e as mandou a Santa Cruz de Coimbra, e dos milagres que houve no caminho XV--Como as Reliquias dos Martyres foram recebidas, e como foi a morte da Rainha Dona Orraca, molher del-Rei D. Affonso, e das cousas que foram vistas XVI--Como Santo Antonio por exemplo destes Martyres tomou o habito de S. Francisco, e do que seguio em Marrocos por milagre, e da morte del-Rei Dom Affonso --- Provided by LoyalBooks.com ---