+SALVE, REI!+ POESIA DE _Camillo Castello Branco_ LISBOA Typographia A. J. Ferros & Ferros F.^os Rua dos Retrozeiros, 41 e 43 MCMXV SALVE, REI! Publicações de Frazão de Vasconcellos 1--_No Centenario da Guerra Peninsular_--Dr. Jacintho Luiz do Amaral Frazão e Vasconcellos. Folha solta, 1910. 2--_Auto-biographia de Herculano_--No 1.^o centenario do seu nascimento--Com uma nota--Folheto, 1910. 3--_Diccionario nobiliarchico portuguez_--Incompleto. 4--_Cousas de Camillo_--Poesia _Salve, Rei!_, com uma nótula. Folheto, 1911. 5--_Crês tu? Sim ou não?_--Poesia. Folheto, 1912. 6--_Elementos de heraldica_--Com gravuras, no «Jornal da Mulher». 7--_Justiça do Marquez de Pombal_--Folheto, 1915. 8--_Ascendencia materna do Desembargador João de Barros, auctor do «Espelho de Casados»_. Folheto, 1915. EM PUBLICAÇÃO: _Linhagistas e heraldistas portuguezes_. _Um revolta no Rio de Janeiro em 1660_--Nota á margem d'uma biographia de Salvador Corrêa de Sá. EM PREPARAÇÃO: _Centúria de curiosidades historicas_. _A heraldica nas vinhetas ornamentaes dos livros portuguezes_. _Tiragem deste opusculo: 50 exemplares_ ELUCIDAÇÃO Em 1911, quando faziamos ainda parte da redacção da _Nação_, reproduzimos naquelle periodico, n.^o 15.255, de 13 de Outubro, a poesia +Salve, Rei!+, de Camillo Castello Branco, de que mandámos tirar uma _separata_, de 32 exemplares numerados, sendo 3 em papel Whatman e os restantes em papel de linho nacional. Estando todos aquelles exemplares distribuidos, e sendo muitos os camillianistas que desejam possuir a poesia +Salve, Rei!+, resolvemos, sem nenhuns intuitos mercantís, que tambem da primeira vez não tivemos, pois que a edição foi destinada unicamente a offertas, fazer a presente reedição daquella pouco conhecida producção do _Maior de Todos_, como justificadamente os seus mais enthusiastas admiradores cognominaram o auctor do _Amor de Perdição_ e de tantissimas obras que honram a litteratura portugueza. Eis a razão desta nova _especie_ da extensissima bibliographia camilliana. Novembro de 1915. Frazão de Vasconcellos Nótula da nossa 1.^a edição A poesia que se segue, dedicada a El-Rei Dom Miguel I, por occasião do seu casamento, foi impressa originalmente, em janeiro de 1852, em uma folha solta, e reproduzida no diario legitimista _A Nação_, n.^o 1834, de 22 de novembro de 1853, em parallelo com uma outra poesia do mesmo Camillo, transcripta do jornal _O Portuense_, de 17 de novembro de 1853, em honra de Dona Maria II, a quando do seu fallecimento. Na sua preciosa _Bibliographia Camilliana_, refere-se o nosso presado amigo Sr. Henrique Marques a esta pouco conhecida producção do notabilissimo e fecundissimo espirito que foi Camillo Castello Branco, dizendo que viu um exemplar da folha solta, na Bibliotheca Publíca do Porto, e informando mais que o _Jornal da Manhã_, daquella cidade, a reproduziu no seu n.^o 137, de 19 de maio de 1890. Frazão de Vasconcellos SALVE, REI! Cantor d'outr'ora, quando vi sem flores Os magicos jardins da phantasia, Minha lyra depuz. Não mais pedi inspirações terrenas. Curvei-me ante o altar, sagrei meu estro Aos canticos da cruz. E, sem magoa, quebrei prisões da terra, Mas uma, se então quiz tambem quebral-a, Não pude... em vão tentei... Eram saudades a viver d'esp'ranças, Saudades, que nem Deus manda esquecel-as, Saudades do meu Rei! Ficava-me no mundo um nome grande, Um symbolo d'amor, de luz radiante, Sob um manto real... Imagem do que vi na minha infancia, Sentado no docel, herança augusta Dos Reis de Portugal Christão, pedi com fé--senti que a tinha Prostrado ante o altar, quando eu pedi Recursos ao meu Deus... Recursos, não pr'a mim que nasci servo, Recursos para Vós, Rei desterrado Sob inhospitos céus!-- Pulsou-me o coração, senti no labio, Em vez da oração, soltar-se o hymno D'um peito portuguez! Ás lagrimas succede essa alegria Dos extasis que á mente imprimem vôos D'energica altivez! Rei! no dia em que descestes Do Vosso throno real Apagou-se a luz da gloria, Cerrou-se o livro da historia Do Reino de Portugal. Surge o anjo do exterminio Sobre as trevas infernaes! Traz de fogo a fera espada, E com mão ensanguentada Rasgas as purpuras reaes. Sobre o solio dos Affonsos Ferreo sceptro esmaga a lei: Ruge alli o despotismo Se não verga ao servilismo Quem lhe diz «Tu não és Rei!» Não és Rei! és uma affronta Feita ao povo portuguez! Não és Rei que não herdaste Este chão que escravisaste A quem falso Rei te fez! Vaga o anjo do exterminio Como inspiração do algoz! Corações com Vossa imagem, Oh meu Rei! são a carnagem Do punhal que fere atroz! Foram dias de martyrio, De terror e maldição! Mas o martyr, expirando, Esquecia-Vos só quando Lhe morria o coração! Vaga o anjo do exterminio Do mosteiro sobre a cruz, E roçando a negra aza Pela cruz o templo arraza E do altar extingue a luz. Cospe injurias e sarcasmo Sobre a face do ancião, Porque orava, é réo, e expulso Foge á morte, e cede ao impulso De penuria, e pede pão. Pede o pão que amassa em pranto De saudades que crê vem D'uma cella que comprára Quando o mundo cá deixára Com as pompas que elle tem! Pede o pão que lhe usurparam Com tamanho desamor... Fraco, ao vêr que chega a morte, Morre... e então mostra que é forte Perdoando ao matador! Lá, no campo da carnagem, Mutilado um corpo jaz... Ficaram-lhe alli seus ossos... Pois que foi um d'entre os Vossos Real Senhor! não terá paz. Nem a paz dos que morreram Sem a nodoa da traição Nem a paz da sepultura Ao fiel que honrado jura Morrer sob o seu pendão Lá se abraça ao corpo exangue No abandono da viuvez A que alli vive arrastada Mendigando, envergonhada, Improperios... talvez! Pobre, e só, mãe de tres filhos Quando a fome a constrangeu, Inda assim, um pensamento, Uma esperança, um grato alento Foi por Vós que o concebeu... Vaga o anjo do exterminio Enverga o manto real; D'um diadema a fronte cinge, Mas o sangue que lh'o tinge Brada vingança fatal! N'essa fronte ensanguentada Escreveu a mão de Deus!... Mas tambem homens puzeram Inscripções onde se leram Infamias como tropheus! Oh Rei de Portugal! Quando a amargura D'este povo infeliz, é sem conforto, Valemo-nos do céu! Pedimos-lhe por Vós, anjo proscripto, Pedimos-lhe vigor á doce espr'ança Que em vós o céu nos deu! Vireis, Senhor vireis, que Deus é justo! Vireis enxugar lagrimas amargas Que se choram por Vós! Sereis de todos Pae, não vingativo, E nós todos irmãos, e Vós de todos... O Rei de todos nós! Fatidica aureola circumda Nas plagas do desterro dolorosas Vossa fronte real. Sentado sobre as rochas da montanha Lá mesmo na solidão d'amargo exilio Sois Rei de Portugal! Deu-vos um anjo a Providencia augusta Em galardão á dôr que amargurastes Com Santa intrepidez. Um dia curvaremos o joelho Perante Essa que o ceu fadou Rainha Do povo portuguez. Camillo Castello Branco --- Provided by LoyalBooks.com ---