+O trophéo+ Poesia offerecida aos seus collegas do 7.^o anno POR +C. Affonso dos Santos+ Alumno n.^o 202 do Real Collegio Militar LISBOA Typ. da Cooperativa Militar 1907 O TROPHÉO Noite quente d'abril. Um golpho oriental E o mar cantando aos pés tristezas sem egual. Paz immensa, em que a noite etherea e constellada Scismava na mudez da sombra avelludada... Na baça pallidez d'um terraço sumptuoso, Feito para um sultão se embriagar de gòso, Da pallida Dinah, a pallida figura Sorvia, n'um anceio, errando pela altura, Um desejo sem fórma, ethereo, fluctuante, Uma vaga chiméra, uma chiméra errante! Sonho tão ideal, coisa tão indecisa Que lembrava o fugir incerto d'uma brisa. Emquanto o vasto mar, rolando de mansinho, Dolente, meigo, azul cantava de baixinho Balladas provençaes d'uma immensa ternura E Dinah, desejando, errava pela altura, Passa uma náu antiga, uma náu de cruzados, Épicos, triumphaes nos elmos emplumados! E o mais louro e gentil, o mais devaneador, Um principe lorêno, heroe e trovador, Vendo subitamente o seu corpo d'ondina, Diz n'um deslumbramento: «Oh Deus! Como és divina! «Dá-me um cabello teu, um só, oh feiticeira! «Que eu dou-te a minha gloria immensa e carniceira. «Vem vêr como lampeja a minha bronzea lança «N'um campo de batalha, ao Sol d'uma esperança, «E pede-me, depois, tudo o que quizeres, «Da cabeça d'um rei, ao branco mal-me-queres! «Não ouves! Ai de mim, feiticeira dos mares! «Extingue-se-me a voz e tu sem me fallares... «Manda-me um beijo só, manda-me um beijo apenas «Atravez do azul, p'las tuas mãos pequenas, «Que eu juro trazer-te, aureolado de gloria, «O mais bello trophéo dos trophéos de victoria.» A voz perdeu-se. Então n'uma embriaguez d'alma, Atravez do azul da atmosphera calma, Dinah mandou um beijo apaixonado e quente, Beijo que se desfez na agua, a arder, fremente. * * * * * Fôra-se o mez d'abril. N'uma tarde calmosa E d'uma limpidez vibrante e luminosa, Na poeirenta estrada, o cavalleiro andante Passava como um rei, n'um sequito brilhante. Cumprira o voto emfim! Na ultima batalha, Com o enorme fragôr do abater da muralha, Do exercito agareno o emir mais triumphante Tombára-lhe a seus pés, a golpes de montante! As palmeiras viris, n'um lento ramalhar, Saudaram-n'o d'assombro, ao verem-n'o passar. O curso d'um regato, as fontes do caminho, Em doce acclamação cantaram-lhe baixinho. Um colibri modulou-lhe em notas de crystal D'um baobah gigante, um hymno triumphal. E o proprio Sol, ao longe, antes de se esconder, Enviou-lhe, eclipsado, um raio fulvo, a arder! Porém ao cavalleiro, épico e sonhador, Só sorria o prazer d'essa noite d'amor. E entre a turba hostil de ferros e pendões Lá ia, n'um galope, em loucos turbilhões, Qual outro Lohengrim, olympico e risônho, Correndo á embriaguez balsamica d'um sonho. * * * * * Algum tempo depois, banhada de luar, Fundindo-se em paixão fogosa a latejar, A pallida Dinah ouvia, extasiada, Na dôce languidez d'uma alma apaixonada, O quente ciciar do branco cavalleiro: «Oh lyrio do Oriente! Oh meu amôr primeiro! «Tu foste a meiga luz, a meiga luz marmorea «Que me illuminou sempre a estrada da victoria... «Vou dar-te a prova, emfim, d'esta paixão immensa. «Foi conquistada á espada ao Sol da minha crença, «Ao rapido tinir do ferro lampejante, «Á doce evocação do teu meigo semblante!» E um escravo apresentou n'uma dourada salva, A livida cabeça, ensanguentada e calva, Do terrivel emir que de Chypre ao Khirmam Triumphára da Cruz, decantando o Islam A sua fama echoára, entre o Roxo e o Egêo, E já, apenas, era um lugubre trophéo. A pallida Dinah, tremula e offegante, Beijando do heroe a fronte radiante, Murmurou-lhe ao ouvido: «Oh principe christão! «Se apenas me bastava o fogo da paixão... E voltou-se para vêr a épica loucura De quem faz do Amôr a 'scola da bravura! E então, oh horror! oh numes infernaes! Pela primeira vez os astros immortaes Vieram alumiar com o seu vivo explendor, Um beijo de paixão e um scena de horror! Dinah, vendo de perto o craneo decepado Mesto, lugubre, calvo, informe e mutilado, De um salto para traz, livida e cadavérica, Nas doidas convulsões d'uma loucura hysterica, O olhar em febre, o peito em fogo, a grenha erguida, Deu uma gargalhada, electrica, perdida... E sempre a rir, a rir, desequilibrada, louca, Envenenou na escuma livida da bocca A phrase que fulmina e mata quando cae «Não vês que era meu pae! não vês que era meu pae!» --- Provided by LoyalBooks.com ---